Chimoio, Moçambique - Um dia, Isaura *, 11, estava a voltar da escola para casa com as suas amigas quando um homem a puxou para o mato e a estuprou. Aterrorizadas, as suas amigas correram em busca de ajuda e ligaram para a família dela.
Quando a família chegou, Isaura estava gravemente ferida. Eles a levaram ao hospital, alertaram o líder comunitário, a polícia e a LeMuSiCa - uma organização apoiada pela Iniciativa Spotlight que administra um dos poucos abrigos para mulheres no país, na província de Manica.
A família denunciou o ocorrido no Gabinete de Assistência a Famílias e Menores Vítimas de Violência, administrado pelo Governo, onde foi expedido um mandado de prisão contra o agressor. Ele foi prontamente encontrado e detido.
“Convencemos a família a não aceitar dinheiro ou ceder a ameaças da família do agressor” - Achia Camal, coordenadora do LeMuSiCa
Abrigo e Aconselhamento
Apesar de se recuperar fisicamente, Isaura ficou profundamente traumatizada. Ela tinha medo dos outros e só falava com Cecília Ernesto, assistente social do LeMuSiCa. Dada a gravidade da sua situação, a família de Isaura concordou em deixá-la ficar no abrigo LeMuSiCa, onde recebeu aconselhamento e conheceu outras raparigas se recuperando de violência.
Enquanto isso, a Sra. Ernesto manteve contacto com a família de Isaura, informando-os sobre as leis que punem estupradores e protegem mulheres e raparigas da violência. Ela explicou as consequências de deixar o agressor ficar impune, tais como o agravamento do trauma de Isaura, dar um mau exemplo ou pior ainda - o homem poderia reincidir.
Em Moçambique e em outros países, existem contradições entre a lei e as práticas culturais que perpetuam uma cultura de silêncio em torno da violência. Em casos de estupro, é comum que a família da(o) sobrevivente busque um acordo com o agressor - às vezes com a ajuda de um líder local - sem envolver as autoridades.
De acordo com o último Inquérito Demográfico e de Saúde em Moçambique (DHS 2011), mais de 37 por cento das mulheres moçambicanas sofrem violência física e sexual durante as suas vidas. O baixo número de denúncias continua a ser um grande problema em Moçambique, assim como em todo o mundo. Dados globais sugerem que apenas quatro em cada dez mulheres que sofrem violência procuram ajuda de qualquer tipo e, dessas, apenas uma em cada dez apela à polícia.
Globalmente, apenas quatro em cada dez mulheres que sofrem violência procuram ajuda de qualquer tipo. Ainda menos - uma em cada dez - denuncia à polícia.
Ajudando as famílias a navegar nas leis formais e culturais
Graças ao incentivo da Sra. Ernesto ao longo de oito meses, a família de Isaura concordou em não retirar as acusações e deixar a justiça formal seguir o seu curso. “Convencemos a família a não aceitar dinheiro ou ceder às ameaças da família do agressor”, disse Achia Camal, Coordenadora do LeMuSiCa.
O estuprador de Isaura foi condenado a 19 anos de prisão pelo Tribunal Provincial de Manica, dando um forte exemplo para outros criminosos e aumentando a confiança dos sobreviventes no sistema de justiça.
Apesar desse resultado, ainda há muito a ser feito pelas raparigas e mulheres que sofrem violência em todo o país. A Iniciativa Spotlight continua a apoiar o Governo de Moçambique, formando prestadores de serviços dos setores da saúde, proteção social, polícia e justiça para ajudar às(aos) sobreviventes com maior sensibilidade, garantindo que recebam cuidados essenciais e apoio jurídico de qualidade. Ao mesmo tempo, o programa apoia o sistema judiciário para estabelecer unidades de resposta à violência de género nas suas instituições, garantindo que mais perpetradores sejam punidos e que sobreviventes sejam assistidos e protegidos.
Isaura ainda mora no abrigo e voltou a frequentar à escola. Durante as visitas mensais à família, ela participa da comunidade e voltará a mesma quando se sentir pronta.
LeMuSiCa faz parte do Consórcio Contra a Violência Sexual, uma parceria de sete organizações de mulheres que trabalham para prevenir a violência sexual e de género sob a Iniciativa Spotlight. LeMuSiCa traz esperança às mulheres e crianças sobreviventes da violência na província de Manica, fornecendo-lhes abrigo e apoio psicossocial. Junto com a organização local LUARTE, LeMuSiCa também sensibiliza famílias, comunidades e líderes locais para motivá-los a denunciar casos de violência, ajudando-os a navegar no sistema de justiça.
* O nome foi alterado para proteger a privacidade da sobrevivente.