Nova Iorque, EUA - O Secretário-geral da ONU, António Guterres, discursou esta terça-feira no primeiro dia da semana de alto nível da Assembleia Geral, destacando a resposta à pandemia de Covid-19, a mudança climática e renovando o apelo para um cessar-fogo global.
O chefe da ONU compareceu ao hall da Assembleia, mas a maioria dos discursos será gravada no primeiro debate geral virtual da história da ONU por causa da pandemia.
Pandemia
Guterres diz que países devem seguir em frente com humildade, unidos, em solidariedade e guiados pela ciência
O Secretário-geral afirmou que a pandemia tornou “a reunião anual irreconhecível”, mas também “mais importante do que nunca”.
O chefe da organização utilizou novamente a alegoria de “quatro cavaleiros” e de ameaças que põem em perigo o futuro comum da humanidade: tensões geoestratégicas, crise climática, desconfiança global e lado sombrio do mundo digital.
Ele disse que os líderes que fundaram as Nações Unidas, há exatamente 75 anos, viveram uma pandemia, uma depressão global, genocídio, guerra mundial e, por isso, “sabiam o custo da discórdia e o valor da unidade".
Agora, os novos líderes enfrentam “seu momento de 1945”.
Guterres diz que devem seguir em frente com humildade, unidos, em solidariedade e guiados pela ciência.
O chefe da ONU afirmou que “o populismo e o nacionalismo falharam” e que essas abordagens “tornam as coisas manifestamente piores”.
Num mundo interconectado, Guterres diz que “chegou a hora de reconhecer uma verdade simples: solidariedade é interesse próprio”.
Cessar-fogo
No início da pandemia, em março, António Guterres apelou a um cessar-fogo global.
Hoje, ele pediu que a comunidade internacional torne isso uma realidade até o final deste ano e que o Conselho de Segurança lidere o processo que tem exatamente 100 dias para ser finalizado.
O apelo original foi endossado por 180 Estados Membros, juntamente com líderes religiosos, parceiros regionais, redes da sociedade civil e outros.
Vários movimentos armados também responderam, dos Camarões à Colômbia, às Filipinas e além.
Apesar de enormes obstáculos, Guterres diz que existem motivos para ter esperança.
Guterres destacou um novo acordo de paz na República do Sudão e o lançamento das Negociações de Paz no Afeganistão.
Em várias situações, o cessar-fogo se manteve melhor do que no passado. Na Síria, o cessar-fogo em Idlib está praticamente intacto. No Oriente Médio, aconteceu um período de calmaria em Gaza e a anexação de partes da Cisjordânia foi interrompida.
Apesar de enormes obstáculos, Guterres diz que existem motivos para ter esperança
Na Líbia, os combates diminuíram, na Ucrânia, o regime de cessar-fogo continua em vigor, na República Centro-Africana, o acordo de paz do ano passado ajudou a reduzir a violência.
O Secretário-geral disse que é preciso um esforço internacional intensificado, liderado pelo Conselho de Segurança, e repetiu que existem 100 dias para cumprir o objetivo. Segundo ele, “o tempo está passando.”
Divisão
Sobre relações internacionais, o chefe da ONU alertou também que o mundo está “movendo em uma direção muito perigosa”.
Referindo-se à China e aos Estados Unidos, ele disse que não se pode permitir “um futuro em que as duas maiores economias dividam o globo em uma Grande Fratura, cada uma com suas próprias regras comerciais e financeiras, internet e capacidades de inteligência artificial”.
Para Guterres, “uma divisão tecnológica e econômica corre o risco de se transformar inevitavelmente em uma divisão geoestratégica e militar” e isso deve ser evitado “a todo custo”.
Resposta
O secretário-geral destacou ainda a resposta das Nações Unidas à pandemia de Covid-19, que até esta terça-feira havia matado mais de 962 mil pessoas.
O sistema das Nações Unidas, liderado pela Organização Mundial da Saúde, OMS, tem apoiado governos para salvar vidas e conter a propagação do vírus.
As cadeias de suprimentos da organização ajudaram a fornecer equipamentos de proteção individual e outros suprimentos médicos para mais de 130 países.
A ONU também está trabalhando para promover tratamentos e terapias como um bem público global, apoiando os esforços para uma vacina disponível e acessível em todos os lugares.
ONU também está trabalhando para promover tratamentos e terapias como um bem público global
Apesar desses esforços, Guterres disse que “alguns países estão fazendo acordos paralelos exclusivamente para suas próprias populações”.
Ele afirmou que “esse ‘vacinacionalismo’ não é apenas injusto, é autodestrutivo”.
Financiamento
Desde o início da crise de saúde, a ONU tem pedido um pacote de resgate no valor de pelo menos 10% da economia global.
Muitos dos países desenvolvidos financiaram essa resposta para suas economias, mas Guterres disse que é preciso garantir que “o mundo em desenvolvimento não caia na ruína financeira, aumentando a pobreza e as crises de dívida”.
O secretário-geral pediu uma resposta sobre o tema na próxima semana, quando os líderes mundiais se reunirem no Encontro sobre Financiamento para o Desenvolvimento na Era da Covid-19 e além.
Mulheres e meninas
Ele pediu ainda um foco especial nas mulheres e meninas, dizendo que “metade da humanidade está sofrendo o impacto das consequências sociais e econômicas da Covid-19”.
Guterres lembrou que as mulheres estão desproporcionalmente representadas nos setores mais afetados, fazem a maior parte do trabalho não remunerado e têm menos recursos econômicos para se proteger. Ao mesmo tempo, milhões de meninas estão perdendo a chance de uma educação.
O chefe da ONU realçou ainda “o aumento horrível da violência contra mulheres e meninas durante a pandemia.” Segundo ele, “esta é uma guerra oculta às mulheres”.
Ele contou que se a comunidade internacional não atuar de imediato, “a igualdade de gênero pode ser atrasada em décadas”.
Recuperação
Além da resposta imediata, os esforços de recuperação devem levar a um futuro melhor. Para Guterres, “a recuperação é a chance de repensar as economias e sociedades”.
Chefe da ONU pediu um Novo Contrato Social, em nível nacional, e um Novo Acordo Global, em nível internacional
Ele disse que isso requer um Novo Contrato Social, em nível nacional, e um Novo Acordo Global, em nível internacional.
O Novo Contrato Social precisa ser sustentável, fazendo a transição para a energia renovável para atingir emissões líquidas zero até 2050. Para tornar isso possível, Guterres pediu que todos os países considerem seis ações.
Primeiro, tornar sociedades mais resilientes. Em segundo lugar, empregos verdes e crescimento sustentável. Depois, resgates financeiros alinhados com objetivos do Acordo de Paris. Quarto, fim dos subsídios aos combustíveis fósseis. Em quinto lugar, os riscos climáticos devem ser considerados em todas as decisões, e, por fim, o mundo deve trabalhar em conjunto, não deixando ninguém para trás.
Sobre um Novo Acordo Global, o chefe da ONU afirmou que as instituições multilaterais precisam ser atualizadas para representar de maneira mais equitativa todas as pessoas do mundo.
Ele disse que a comunidade internacional “não precisa de novas burocracias”, mas sim de “um multilateralismo eficaz que passe no teste do século 21”.
Mudança
Para António Guterres, “a pandemia transtornou o mundo, mas essa convulsão criou espaço para algo novo”.
Segundo ele, ideias antes consideradas impossíveis de repente estão sobre a mesa e ação em grande escala parece menos assustadora.
Ele contou que “em apenas alguns meses, bilhões de pessoas mudaram fundamentalmente a forma como trabalham, consomem, se movem e interagem”.
Além disso, “o financiamento em grande escala de repente se mostrou possível, pois trilhões de dólares foram usados para resgatar economias”.
Na segunda-feira, ao comemorar o 75º aniversário das Nações Unidas, a Assembleia Geral aprovou uma resolução pedindo que o secretário-geral apresente um relatório sobre uma agenda comum para o futuro.
Guterres disse que irá trabalhar nesse projeto, que deve ser divulgado dentro de um ano. Segundo ele, “a pandemia ensinou que escolhas são importantes”. Por isso, ao olhar para o futuro, o mundo deve ter a certeza de que escolhe com sabedoria.