Programa Conjunto das Nações Unidas salva cerca de 20 recém-nascidos prematuros por mês
Programa é financiado pelo Povo Britânico (DFID), no âmbito de Caso de Investimento sobre Saúde Reprodutiva, Materna, Neonatal, Infantil e e do Adolescente.
Maputo, Moçambique - “Logo pela manhã, como habitual, estava passando visita na maternidade e no berçário, observando cuidadosamente, de cama em cama, o estado de saúde dos bebés recém-nascidos e das suas mães. Estava tudo bem, até que de repente fui chamado a sala de parto pois tinha dado entrada uma mulher grávida, de 22 anos, a senhora Marquesa, com quase 7 meses e apresentava contrações fortes, era um trabalho de parto prematuro”- conta o Médico Pediatra Paulo Quade do Hospital Provincial Lichinga, em Niassa.
Pelo corredor da maternidade, Marquesa gritava de dor e chorava de medo e desespero, estendida numa maca, tendo sido encaminhada urgentemente à sala de parto por duas enfermeiras, enquanto sua mãe e o marido aguardavam numa sala para acompanhantes. Marquesa tinha o bebé no canal do parto com alto risco de asfixia.
Eu já tinha agendado um encontro com o Doutor Quade há alguns dias antes da minha deslocação de Maputo à província de Niassa, cujo objectivo era saber mais sobre a saúde de mulheres grávidas e recém-nascidos daquela província. Quando me encontrei com ele no corredor da maternidade, este acabava de sair da sala de parto e convidou-me para um gabinete que oferecia silêncio favorável à nossa conversa. Era uma sala naturalmente arejada e fresca típico do clima tropical frio de Lichinga, proporcionado pelas montanhas que, de longe, rodeiam a cidade.
Sentamo-nos, e ao contar-me como tinha sido o parto, de repente, um silêncio prolongado dominou a sala e limitou a nossa interação. Ele pareceu-me hesitante e entristecido com algo que teria acontecido durante o parto. Fiquei apreensivo – quase que imobilizado – e na minha cabeça rondava uma pergunta: o que aconteceu com a mãe e o bebé? Poucos instantes depois, o médico desculpa-se pelo silêncio, justifica ter lembrança plena e conta-me que o parto tinha sido extremamente complexo e delicado, que precisou intervir rapidamente com apoio de sua equipa para salvar a vida do bebé e sua mãe. Daí fiquei aliviado.
“A situação era de um bebé com prematuridade extrema e a minha maior preocupação é de não ter óbitos. Foi a primeira coisa que me veio à mente, porque ter uma morte é uma sensação de frustração para o médico. Então, redobrei esforços para garantir que o bebé sobrevivesse, pois o maior desejo de um casal é engravidar e o bebé nascer, sobreviver e crescer forte e saudável”, conta o médico preocupado.
Na verdade, o Dr. Quade e sua equipa já estavam de prontidão para fazer o parto, pois já haviam sido comunicados pela unidade sanitária onde Marquesa tinha dado entrada, no distrito de Chimbonila que até ao Hospital Provincial de Lichinga são perto de 50 Km. A viagem durou quase 4h, visto que a via de acesso é bastante precária e decorrem trabalhos de estrada num longo troço de terra-batida, e todo cuidado era pouco para conduzi-la e chegar ao destino em segurança.
“Todos nós da equipa já conhecemos as nossas responsabilidades e isso ajudou bastante para contornar e minimizar potenciais riscos. Durante o parto, cumprimos com o “minuto de ouro”, que quer dizer agir imediatamente: ou era vida ou morte. Felizmente o parto foi normal, conseguimos fazer em menos de 15 minutos”, diz Dr. Quade encorajado. Ora, parecia que tudo estava bem. Entretanto, o médico sabia que tinha um grande desafio bem à sua frente: “o bebé nasceu em condições precárias de sobrevivência, com um peso de 1,400 Kg – muito abaixo do normal que é 2,500 Kg; não chorava e tinha dificuldades de respirar, próprio de um bebé nascido prematuramente”, fez saber o Doutor.
O médico explicou que agiram rapidamente, fazendo várias intervenções para reanimar o bebé. “Canalizamos a veia umbilical para administração de medicamentos, e fizemos adrenalina e intubamos o bebé”- diz Dr. Quade arrasado e impotente. Marquesa, ao saber que seu bebé não estava a chorar e respirar bem ficou completamente desesperada e em pânico, pior ainda que já tinha antes acompanhado casos parecidos, onde os bebés não sobreviveram: “Doutor, o meu filho vai ficar bem?”, perguntou um tanto receosa de ouvir uma resposta negativa e desata a chorar questionando: “Porque logo comigo? Porquê?” O médico Quade acalma-a, e entende que não era o momento para explicações do que se estava a passar. Ele precisava concentrar esforço no escasso tempo que sobrava para salvar o bebé e noutro momento daria satisfação.
Eu fiquei tenso quando o médico contou-me isto. Para mim, era inevitável sentir empatia. Comovi-me com as questões da Marquesa colocadas ao Médico; não pude me conter e lágrimas vieram-me aos olhos, pois faz-me lembrar quando recentemente a minha irmã mais velha Estefânia, de 34 anos, cujo bebé não sobreviveu em circunstancias similares em Nampula… lacrimejei com memórias. Inconformado, durante a conversa com o médico, tudo passou pela minha cabeça. Confesso! Pensei comigo mesmo, como pode a vida ser impiedosa com um ser tão pequeno, frágil e indefeso?
Só mais tarde, todo o trabalho e esforço envidado surtiram efeitos: “pessoalmente, fiz massagem cardíaca ao bebé e incrivelmente reagiu à vida”- conta Dr. Quade satisfeito. “A dado momento, tive que ser frontal com a Marquesa… informei-lhe que a criança estava viva, mas a situação era delicada. Na incerteza, reservei-me de falar do prognóstico”- reconheceu Quade.
O Dr. Quade lembra que há sensivelmente 5 anos, em épocas mais frias do ano, onde em Lichinga a temperatura atinge 10⁰C, alguns recém-nascidos prematuros que tinham asfixia neonatal e outros com infecções respiratórias as vezes não sobreviviam devido à hipotermia. De facto, Niassa caracteriza-se por temperaturas bastante baixas do país.
“Naqueles anos não tínhamos como regular a temperatura do recém-nascido no hospital, e ao darmos alta as mães eram aconselhadas a aquecer os recém-nascidos prematuros com envoltórios de algodão, uma vez que a temperatura ambiente da cidade Lichinga é geralmente baixa quase em todo ano; também usávamos o Método Canguru – mantendo o bebé em contacto pele-a-pele com a mãe ou com ou pai junto ao peito, e os pais eram acompanhados nos primeiros dias por profissionais de saúde, para orientar, ajudar e dar-lhes forças, mas nem sempre era eficaz e, alguns bebés não sobreviviam-relembrou o médico Quade.
Todavia, o médico explicou que o bebé da Marquesa sobreviveu e saiu do perigo graças à utilização de uma incubadora automática que regula a temperatura e mantem o recém-nascido prematuro num meio aquecido que reproduz um ambiente semelhante ao vivido por ele no organismo materno. Esta incubadora é uma das 10 oferecidas ao Hospital de Lichinga pelo Povo Britânico (DFID), no âmbito do Programa Conjunto das Nações Unidas (OMS, UNFPA e UNICEF). Salvam cerca de 20 recém-nascidos prematuros por mês, principalmente para os com baixo peso e/ou menor idade gestacional, e serve para os mais de 1,200,000 habitantes desta província.
“A incubadora trouxe excelentes resultados e é indispensável para a sobrevivência deste bebé. Proporciona a humidade necessária ao equilíbrio do bebé e protege-o das infeções e do barulho. Para o efeito, mantemos escalas de vigilância do estado de saúde do bebé, bem como fazemos tratamento psicológico da mãe para evitar trauma pós-parto”, explica Dr. Quade visivelmente feliz.
Do lado de fora – na sala de espera para os acompanhantes – estavam o pai e a avó do bebé, que ao entrarem na enfermaria onde estava Marquesa, com muito alegria tomam conhecimento do nascimento de um novo membro da família: “Nasceu, nasceu o nosso filho, já és pai... Finalmente, já és avó, mãe”, diz Marquesa emotiva para o marido e sua mãe. “O bebé nasceu antes do tempo e o médico teve que ajudar muito para ele conseguir respirar, é por isso que não está comigo. Temos que ter fé que tudo vai ficar bem”, rogou Marquesa. A informação encheu a sala de desmedida alegria, sobretudo, por se tratar do primeiro filho do casal com o qual já tem planos futuros.
O bebé da Marquesa já estava melhor, continuava na incubadora e estava sendo alimentado com o leite materno com ajuda de sonda, que é tubinho que é introduzido até ao estômago para alimentar o bebé. Esta sonda e outros materiais para tratar os recém-nascidos também foram doados pelo Povo Britânico (DFID), no âmbito de Caso de Investimento sobre Saúde Reprodutiva, Materna, Neonatal, Infantil e do Adolescente (SRMNIA).