Quase metade das crianças com HIV não receberam antirretrovirais em 2019
Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Sida, ONUSIDA, revela que objetivos de redução de infecções até 2020 não será cumprido.
Maputo, Moçambique - As Nações Unidas afirmaram que apesar de progressos no combate ao HIV, na última década, o tratamento de crianças que vivem com o vírus continua tendo falhas.
Num relatório, o Programa Conjunto da ONU sobre HIV/Sida, ONUSIDA, revela que quase metade das meninas e meninos soropositivos não recebeu os antirretrovirais no ano passado.
Para a agência, o objetivo de eliminar novas infecções entre crianças está sendo esquecido. Além disso, muitas pessoas continuam morrendo por falta de tratamento simples e barato.
Progresso e falhas
Em comunicado, a Diretora-executiva do ONUSIDA, Winnie Byanyima, citou exemplos de crianças soropositivas que têm qualidade de vida graças à terapia com antirretrovirais. Ela também falou de novas infecções e ações de enfrentamento da pandemia.
A chefe do ONUSIDA disse que "não se pode aceitar que dezenas de milhares de crianças sejam infectadas, todos os anos, e outras morram de doenças relacionadas à Aids".
Estratégia
A estratégia da agência tem três fases e é conhecida como Start Free, Stay Free, AIDS Free, em inglês.
O primeiro passo é o direito dos bebês de nascerem sem o vírus. Segundo: através da prevenção, crianças, adolescentes e mulheres jovens têm o direito de permanecer livres da ameaça. Por fim, os que forem infectados têm direito a diagnosticados e tratamentos para evitar que o HIV leve à Sida.
No passado, os Estados-membros concordaram com uma série de metas de prevenção e tratamento. Um desses objetivos era reduzir as novas infecções infantis, entre zero e 14 anos, para menos de 40 mil em 2018 e 20 mil em 2020.
As estimativas mostram, no entanto, que 150 mil crianças foram infectadas com HIV em 2019. O número representa uma redução de 52% desde 2010, mas é quatro vezes mais do que a meta estabelecida para 2018.
Grávidas
As grávidas diagnosticadas e tratadas durante a gestação, o parto e a amamentação, têm uma chance de transmitir o vírus para o bebê menor do que 1%. Em 2019, isso aconteceu em 85% dos casos, mas muitas crianças continuam sendo infectadas devido ao acesso desigual aos serviços, principalmente no oeste e centro da África.
Para a coordenadora do Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Alívio da Aids, Angeli Achrekar, a comunidade global “obteve um progresso notável, mas ainda está perdendo muitas crianças, adolescentes e mulheres jovens." Segundo ela, "todos devem redobrar seus esforços."
Risco dobrado
Outra meta é reduzir as novas infecções entre meninas e mulheres jovens para menos de 100 mil até 2020. Esta população tem sido afetada de forma desproporcional. Em alguns países, onde são 10% da população, representam 25% das novas infecções, correndo um risco quase dobrado ao dos homens.
Apesar desses dados, o ONUSIDA lembra que houve avanços. Na África do Sul, por exemplo, as novas infecções caíram 35%. Na Suazilândia, 54%.
A Diretora-executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, conta que estes países representam uma esperança.
Segundo Henrietta Fore, crianças “mostram o que é possível quando governos e comunidades lideradas pelas próprias meninas se unem”.
Mulheres e meninas
Byanyima lembra que o compromisso da comunidade internacional ajudou a salvar a milhões de vidas, especialmente de mulheres africanas. No ano passado, 59% dos novos casos na África Subsaariana eram de meninas e mulheres.
A chefe do Unaids contou que o mundo ainda enfrenta barreiras com estigmas e discriminação, além de desigualdades em várias partes. Muitos soropositivos não buscam tratamento com medo do preconceito e até de serem detidos em países que criminalizam relações homossexuais.
A agência da ONU informou que 14 países alcançaram as metas de tratamento 90-90-90 (onde 90% das pessoas com o vírus sabem de seu status, 90% dos soropositivos recebem antirretrovirais e 90% registram supressão da capacidade viral. Um dos casos de sucesso é Eswatini, a ex-Suazilândia, que têm uma das mais altas taxas de prevalência do mundo, com 27%, e que já ultrapassou a meta de 95-95-95.
No ano passado, 690 mil pessoas perderam a vida para a Aids. O número de novos infectados pelo HIV é de 1,7 milhão, o equivalente a mais de três vezes da meta global. Enquanto o leste e sul da África registram avanços com redução de 38% na quantidade de novos casos desde 2010, o leste da Europa e centro da Ásia avançam em taxas de contágio com aumento de 72%, no mesmo período.
África Austral e Oriental
Na África Austral e Oriental, três em cada cinco novas infecções ocorreram entre mulheres, e a incidência de infecções por HIV entre os 15 e 24 anos permanece "excessivamente elevada", de acordo com o relatório, que aponta que as raparigas têm 2,5 vezes mais probabilidades do que os rapazes de contrair infecções.
Apesar disso, o relatório aponta que, quando consideradas as infecções totais, a região fez progressos, registando uma redução de 38% nas novas infecções desde 2010.
A implementação de programas de despistagem e tratamento do HIV se refletiu numa diminuição de 49% de mortes relacionadas com a sida desde 2010, uma redução mais acentuada do que em qualquer outra região.
No entanto, estima-se que, mesmo assim, morreram 300 mil pessoas devido a doenças relacionadas com a sida.
Os dados indicam que 72% das pessoas que vivem com HIV na África Austral e Oriental estão em tratamento e 65% suprimiram a carga viral da doença.
O relatório aponta que a região está a aproximar-se dos objetivos em matérias de testes e tratamentos com sete países a terem alcançado a meta - Botswana, Esuatini, Namíbia, Ruanda, Uganda, Zâmbia e Zimbabué - e três outros muito próximos dela - Quénia, Maláui e a Tanzânia.
O objetivo estabelecido para 2019 era conseguir diagnosticar 90% de população infectada, colocar 90% da população diagnosticada em tratamento antirretroviral e ter 90% dos doentes com carga viral indetectável.
Entre os países lusófonos desta região, Angola tem 62% de doentes diagnosticados e 44% em tratamento, enquanto Moçambique atingiu 77% de diagnósticos, 77% de doentes em tratamento antirretroviral e 75% dos doentes com carga viral suprimida.
Resultados
Outro objetivo da comunidade internacional, segundo a ONU, é levar os antirretrovirais a mais 1,4 milhão de crianças até 2020. No ano passado, no entanto, 950 mil meninos e meninas foram atendidos, cerca de 53% dos afetados. Essa taxa para os adultos é de 67%.
Em nota, o Diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, OMS, Tedros Ghebreyesus, afirmou que "a falta de medicamentos pediátricos tem sido uma barreira de longa data para melhorar os resultados.” Segundo ele, "o acesso aos serviços para grupos vulneráveis deve ser ampliado com maior envolvimento da comunidade, melhoria da prestação de serviços e combate ao estigma e discriminação."