"Não deixemos nenhuma criança para trás na luta contra o tráfico de pessoas"
08 agosto 2024
As Nações Unidas apoiam esforços de sensibilização sobre o Tráfico de Pessoas em Moçambique.
MAPUTO, Moçambique - Uma em cada três vítimas de tráfico de seres humanos a nível mundial são crianças. As crianças sofrem "abusos indescritíveis – quer sejam forçadas a trabalhar, vendidas como noivas, recrutadas como soldados ou coagidas a participar em atividades criminosas", alertou o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, por ocasião do Dia Mundial Contra o Tráfico de Pessoas (30 de Julho).
O tema deste ano, "não deixe nenhuma criança para trás na luta contra o tráfico de seres humanos", é especialmente relevante para o contexto de regiões como a África Subsariana, o Norte de África, a América Latina e as Caraíbas, onde as crianças constituem 60% das vítimas de tráfico detetadas, de acordo com o último relatório do UNODC. Ainda assim, muitas vítimas não são detetadas devido aos baixos níveis de denúncia, à falta de sensibilização e à existência limitada de serviços de apoio às vítimas.
Para reforçar a sensibilização em Moçambique para esta forma de criminalidade, a OIM, o ACNUR, o UNODC e a Save the Children apoiaram a Procuradoria-Geral da República na realização da sua campanha anual contra o tráfico de pessoas (22-30 de Julho de 2024). As atividades junto da população incluíram sessões de sensibilização na escola secundária da Katembe e em pontos de trânsito, tendo sido distribuídas mais de 1.000 brochuras contendo informações sobre o que é o tráfico de seres humanos e como identificar, prevenir e denunciar casos.
O ponto alto da campanha "Coração Azul" de Moçambique em 2024 foi uma marcha no distrito de Moamba, que partilha uma fronteira com a África do Sul. O evento, dinamizado pela sociedade civil e por grupos juvenis, atraiu centenas de crianças e jovens e culminou com uma peça de teatro realizada por associação juvenil local, que retratava as duras realidades associadas ao fenómeno do tráfico de seres humanos.
Líderes e autoridades pediram à multidão que permanecesse vigilante, envidasse esforços para proteger as crianças, apelando à denúncia de quaisquer casos suspeitos. No recinto do evento, foram também disponibilizados serviços essenciais, nomeadamente de vacinação e emissão de passaportes, por brigadas móveis do Serviço de Migração de Moçambique e entidades do sector da saúde.
Nas principais áreas de trânsito de Maputo, designadamente o terminal rodoviário internacional e a baixa da cidade, a equipa da campanha aproximou-se de motoristas de miniautocarros, pequenos comerciantes e viajantes para sensibilizar estes grupos alvo quanto aos métodos de recrutamento, tipos de tráfico, sinais de pessoas vítimas de tráfico e os canais de denúncia disponibilizadas pelas autoridades.
Angustiado com a realidade do tráfico de seres humanos em Moçambique, e com os casos a que assiste, um motorista partilhou a sua experiência. "Temos vivido cenários em que as pessoas querem viajar sem documentos para os países vizinhos à procura de melhor estabilidade económica”.
“Por vezes, o nosso coração não consegue dizer não a tais pedidos, pois queremos ajudar pessoas desesperadas e ajudar-nos a nós próprios, pois não é todos os dias que temos passageiros para transportar", afirmou o motorista.
"No início, pensava que as minhas ações estavam a ajudar as pessoas, mas agora percebo que esta 'ajuda' pode estar a colocar as pessoas em perigo; Também é minha responsabilidade salvar vidas", continuou.
Este ano, as autoridades moçambicanas, em cooperação com os seus homólogos sul-africanos, resgataram até à data 14 crianças traficadas para a África do Sul para exploração laboral.
Márcia Pinto, coordenadora do Grupo de Referência Nacional de Protecção à Criança, Combate ao Tráfico de Pessoas e Migração Ilegal, acredita que estes números são meramente indicativos e provavelmente não reflectem a verdadeira dimensão do problema.
"O tráfico de seres humanos é uma realidade no país", alertou Márcia Pinto, lamentando as condições em que vivem as crianças traficadas de Moçambique para a África do Sul.
Márcia Pinto explica que estas vítimas têm acesso limitado a serviços básicos como saúde, abrigo, educação, alimentação e vestuário. "A falta de documentação e a situação legal mal-entendida na África do Sul coloca muitas crianças em perigo de detenção e de deportação forçando-as a viver na clandestinidade", alertou.
Moçambique tem envidado esforços significativos para travar o tráfico de seres humanos, concentrando-se nos fluxos transfronteiriços para os países vizinhos. Por exemplo, o Grupo Nacional de Referência está actualmente a trabalhar em prol do estabelecimento de um Memorando de Entendimento com a task force homóloga da África do Sul, que formalizará e reforçará a cooperação entre ambas partes.
Outros esforços incluem o lançamento, em Outubro de 2023 do primeiro Plano de Ação Nacional de Moçambique contra o Tráfico de Pessoas, que estabelece um plano de intervenções estratégicas para os próximos anos.
Com o apoio das Nações Unidas, a campanha deste ano contou ainda com uma mesa redonda de intercâmbio de boas práticas na implementação de Planos desta natureza, um evento que contou com a participação oradores convidados de outros países de língua portuguesa, nomeadamente o Brasil, Cabo Verde e Portugal.
Reflectindo sobre as conquistas e desafios da campanha, é importante lembrar que o combate ao tráfico de pessoas não é apenas um esforço legal ou logístico, mas uma obrigação moral. Todas as crianças merecem proteção, liberdade e um futuro livre de exploração. Que esta campanha seja um lembrete da nossa responsabilidade colectiva de lutar pelo direito de todas as crianças à segurança e à dignidade.
Escrito por
Anna Kless
ONUDC
Assistente de Monitoria e Avaliação e de Comunicação