Para alcançar a justiça para todos, precisamos de mais mulheres na justiça
Para que haja justiça, precisamos de mais mulheres no sistema judicial. No dia 10 de Março, celebramos o Dia Internacional das Juízas.
MAPUTO, Moçambique - Elisa Samuel Boerekamp, juíza de Direito, Directora do Centro de Formação Jurídica e Judiciária e defensora acérrima da igualdade de direitos e oportunidades para as mulheres juízas em Moçambique (e mais além), afirma ser óbvio por que a promoção da igualdade entre homens e mulheres no sector da justiça é essencial para um sistema judicial justo e favorável aos cidadãos.
A directora Elisa Boerekamp dá como exemplo a prisão de mulheres de Ndvalela: "Vemos que muitas das mulheres que lá estão cometeram crimes graves; No entanto, toda a investigação, todo o processo de acusação e julgamento, deixou de lado a perspectiva de género; Não se analisaram os factos que deram origem a esse crime".
Talvez, diz-nos esta magistrada, a mulher tenha sido vítima de violência por parte do companheiro, marido, irmão ou pai, e tenha recorrido à autodefesa – uma atenuante que deve ser considerada no processo penal.
"Estas questões de âmbito social e familiar têm de ser trabalhadas porque acabam influenciando o comportamento da mulher”, afirma a juíza Boerekamp.
“Em alguns casos, verificamos que são penas muito altas e que o processo não levou sequer em conta o contexto em que aquela mulher foi ali parar; Não só isso, mas também não levamos em conta que aquela mulher tem filhos, crianças de colo, algumas ainda a amamentar, e [ainda assim] condenada a penas exorbitantes”, continuou a juíza.
Garantir uma representação equitativa de género reforça o poder judicial e a sua capacidade de tomar decisões justas, defende a juíza Elisa Boerekamp. As mulheres podem contribuir com uma compreensão e sensibilidade diferenciada, que lhes permite abordar os desafios enfrentados tanto por mulheres em situação de conflito com a lei como por mulheres vítimas de crimes.
Não se trata apenas de alcançar um ideal feminista ou populista, defende a magistrada. Pelo contrário, a aplicação de estratégias e políticas conducentes e sensíveis ao género é "uma necessidade para um Estado de direito democrático que respeita, promove e garante os direitos fundamentais de todos, incluindo os das mulheres".
Progresso e desafios
Reflectindo sobre os progressos alcançados em Moçambique nos últimos 20 anos no domínio da igualdade de género no sistema judicial, a juíza Elisa Boerekamp congratula-se com o facto de a paridade de género ter sido practicamente alcançada nos tribunais distritais e provinciais, com quase metade dos cargos de liderança nestes tribunais actualmente ocupados por mulheres.
No entanto, nos Tribunais Superiores de Recurso e no Supremo Tribunal, a maioria dos juízes presidentes é actualmente do sexo masculino, afirma.
"É este o desafio; As mulheres entram, mas depois não sobem".
Para mudar este paradigma, defende que "temos de criar condições, enquanto sistema, para satisfazer as necessidades das mulheres juízas no sentido de promover maior participação das mulheres nos cargos de direção e chefias judiciárias", falando em particular dos desafios que as mulheres enfrentam no processo de colocação noutras cidades ao longo da sua carreira.
Elisa Boerekamp apela a que sejam envidados esforços contínuos para desmantelar as barreiras existentes e criar caminhos para que as mulheres possam ascender a posições de liderança. Felicitou, também, o recente lançamento oficial da Associação de Mulheres Juízas de Moçambique (AMJuíza). A rede, a primeira do seu género entre os países africanos lusófonos, tem por objectivo empoderar as mulheres juízas em Moçambique e garantir que as suas vozes moldam o curso da justiça.
Enquanto directora do Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Elisa Boerekamp sublinha a cooperação entre o Centro e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), que têm trabalhado conjuntamente em Moçambique para reforçar a capacidade do sistema judiciário.
Tais iniciativas incluem julgamentos simulados com magistrados judiciais e do Ministério Público que abrangem, entre outros, casos de extremismo violento que envolvem mulheres, seja enquanto vítimas, seja como perpetradoras. Destaca a importância de integrar a perspectiva de género nos currículos de direito para promover uma compreensão profunda das complexidades associadas às interacções das mulheres com o sistema de justiça.
A juíza Elisa Boerekamp salienta, também, que as barreiras à educação devem ser totalmente eliminadas para garantir que as raparigas possam continuar a frequentar a escola, até ao nível universitário.
O Centro de Formação Jurídica e Judiciária lançará uma série de projectos já em 2024 que visam intensificar a interação entre o Centro e estudantes nas faculdades de direito e licenciados nesta área, nomeadamente através da realização de palestras e workshops sobre as várias carreiras no sector judiciário.
De forma global, a Directora enfatiza a importância de dar visibilidade ao percurso profissional e feitos das mulheres juízas, de modo a inspirar as futuras gerações de mulheres em Moçambique a seguir essa carreira.
Encorajar as mulheres a seguirem carreiras na magistratura judicial, bem como empoderar as mulheres já nesta área, é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, onde todas as vozes são ouvidas e todos os indivíduos têm igual dignidade e respeito.
Saiba mais sobre a campanha do UNODC Women In / For Justice https://www.unodc.org/unodc/en/women-in-for-justice/index.html