"Desafios africanos podem ser resolvidos pelos líderes locais"
Afirmou o Presidente Nyusi hoje na ONU, onde compartilhou práticas e lições aprendidas na implementação do Acordo de Maputo para a Paz e Reconciliação Nacional.
NOVA IORQUE, EUA - Moçambique partilhou hoje na Comissão de Consolidação da Paz das Nações Unidas as lições aprendidas na implementação do Acordo de Maputo para a Paz e Reconciliação Nacional e defendeu que os "desafios africanos podem ser resolvidos pelos líderes locais".
Diálogo e respeito mútuo
Destacando a importância do diálogo com a oposição e do respeito mútuo, o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, indicou que uma das lições mais importantes que tirou do processo foi que os desafios africanos podem ser resolvidos pelos líderes africanos, salientando que o "processo moçambicano está a ser resolvido por moçambicanos".
"Quando tomei posse como Presidente da República, em janeiro de 2015, defini a paz como a principal prioridade porque entendemos que sem paz não há desenvolvimento", afirmou o Presidente Filipe Nyusi em sua declaração inicial.
O chefe de Estado participou numa reunião da Comissão de Consolidação da Paz da ONU com foco em Moçambique, onde foram partilhadas as melhores práticas e lições aprendidas no país na implementação do Acordo de Maputo para a Paz e Reconciliação Nacional – assinado em 2019 - de forma a facilitar o intercâmbio de experiências com outros países.
"Temos liderado diretamente o processo de paz, colocando os interesses do povo moçambicano em primeiro lugar; Este tem que ser o processo", disse o Presidente Nyusi.
Apropriação nacional
Refletindo sobre alguns pressupostos que "têm permitido o sucesso do processo de consolidação da paz em Moçambique", embora admitindo que "possa não ser perfeito", Nyusi afirmou que um dos principais constrangimentos observados foi a falta de apropriação nacional, com negociações feitas através de intermediários.
"Trazíamos gente de fora para resolver problemas que eles não entendiam bem. Embora tenhamos tido o apoio da comunidade internacional (...), concordamos que o processo deve ser conduzido e liderado pelos próprios moçambicanos, e que as soluções devem ser baseadas na nossa própria realidade", sustentou.
"Os atores nacionais conhecem melhor as nuances do conflito, pelo que o papel dos parceiros internacionais deve ser de apoio", acrescentou.
O líder moçambicano partilhou ainda que a construção da confiança foi um fator decisivo para o sucesso das primeiras etapas das negociações.
"A construção da confiança mútua foi a estratégia de implementação progressiva que facilitou a criação das condições, formal ou informalmente, para a assinatura de acordos. Muitos elementos do acordo foram implementados antes da assinatura dos acordos", sublinhou Nyusi.
O Presidente Nyusi também reconheceu a "boa contribuição da comunidade internacional em nosso processo de paz".
"É justo destacar o apoio das Nações Unidas e do Secretário-Geral através do trabalho do seu Enviado Pessoal para Moçambique, Mirko Manzoni", enfatizou o chefe de Estado moçambicano.
O Presidente Nyusi afirmou que durante o processo líderes do país aprenderam que mesmo quando as questões parecem impossíveis de resolver, não devemos perder a fé no poder da confiança e do diálogo. Para ele, "a confiança deve ser continuamente alimentada e mantida para criar raízes".
DDR e Adaptação
Dos processos de paz anteriores em Moçambique, Filipe Nyusi disse que os líderes moçambicanos aprenderam a lição de que se deve ter em conta a necessidade da desmobilização total do ex-combatentes.
"A desmobilização ficará ainda mais completa quando o processo de fixação da pensão for concluído, agora aguardando o fechamento da última base", afirmou o Presidente Nyusi.
Até o momento, passaram pelo processo processo de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) cerca de 94% dos ex-combatentes da RENAMO, cerca de 4.883 em 5.521. Assim como 15 das 16 bases da Renamo foram encerradas.
O dirigente moçambicano tamb[em informou que o processo exigiu "muita flexibilidade e agilidade por parte das partes em seus procedimentos, cumprimento de prazos, estabelecimento de relacionamento com diferentes estruturas e stakeholders do processo".
"A morte inesperada do líder da oposição, Afonso Dhlakama, em maio de 2018, e a eclosão da pandemia da COVID-19, em março de 2020, criaram grandes dificuldades num momento crítico e delicado do processo de paz; Mas conseguimos resolver todos essas questões com flexibilidade" - Presidente Filipe Nyusi.
Práticas de combate ao terrorismo
Já nas práticas de combate ao terrorismo, Filipe Nyusi destacou a importância da parceria e cooperação com Ruanda e com as populações locais, advogando que graças a esses esforços conjuntos, Moçambique está "gradualmente a restaurar a paz e as pessoas voltam gradualmente para as suas casas".
"Quando os países africanos trabalham juntos e bilateralmente, eles podem encontrar e implementar soluções para lidar com qualquer tipo de ameaça à paz e segurança. (...) Mas devo dizer que o terrorismo não acabou em Moçambique. Apesar de ter enfraquecido, os terroristas continuam ativos e procuram inventar novas formas de atuação, tentando conquistar corações e mentes das populações locais", alertou.
O Norte de Moçambique enfrenta há cinco anos ataques de grupos armados não estatais.
Os ataques levaram a uma resposta militar desde julho de 2021 com apoio do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos no norte da Província de Cabo Delgado. Contudo, a complexa crise continua. Mais de dois milhões de pessoas são impactadas pela crise.
Dessa forma, Nyusi aproveitou a reunião para pediu apoio técnico e financeiro para fortalecer a capacidade dos parceiros bilaterais e multilaterais que se desdobraram no terreno.
"Da mesma forma, é importante apoiar as iniciativas que visam capacitar os jovens para lidar com o desemprego e outros fatores que podem atraí-los para as fileiras do terrorismo", advogou.
Questionado sobre as lições aprendidas em Moçambique que podem ser úteis para outros países, o professor de Direito Internacional Chaloka Beyani, um dos convidados da reunião, destacou o envolvimento da oposição.
"A primeira lição é visão e liderança, que envolveu a oposição. E ser capaz de chegar um entendimento com eles sobre as causas do conflito e o que precisa ser feito”, enunciou.
“A segunda lição é entender como é que aspetos da Constituição e leis precisam de ser mudados quando o processo de paz estiver completo, e, por fim, a constitucionalização do acordo de paz em si. Para ser totalmente implementado deve ser parte da lei suprema do país", defendeu.
A reunião na ONU foi liderada pelo presidente da Comissão de Consolidação da Paz, o croata Ivan Simonovic, que apresentou aos restantes diplomatas um balanço da situação em Moçambique, destacando que as perspetivas económicas de médio prazo do país "parecem promissoras", ao mesmo tempo em que a redução da pobreza, as alterações climáticas, o terrorismo ou a criação de empregos ainda representam um desafio.