“Não Desisto Por Causa dos Meus Filhos"
A luta de uma mulher para reconstruir sua vida e criar sua família em meio a conflitos e mudanças climáticas no norte de Moçambique.
NAMPULA, Moçambique - É impossível conversar com Salomé e não se deixar hipnotizar por seus olhos intensos e brilhantes. Sua história de vida é igualmente impressionante. Ela tem um rosto delicado e uma voz melodiosa, mas suas palavras são fortes - elas raramente vacilam. Ela precisa ser forte por seus três filhos.
Há pouco tempo, Salomé era uma próspera pequena empresária de Muidumbe, distrito da Província de Cabo Delgado, norte de Moçambique. Salomé importava roupas e tecidos da vizinha Tanzânia para revender na província.
Mas, sua vida virou de cabeça para baixo em apenas um ano. Oficialmente, Salomé agora detém o status de deslocada interno. Ela é uma a mais entre as quase um milhão de pessoas que fugiram às pressas de suas casas e abandonaram suas machambas em sua terra natal. Salomé e sua família vivem hoje em uma casa precária que ela mesma construiu sozinha em um terreno emprestado na província vizinha, Nampula.
Os ataques em Cabo Delgado começaram há cinco anos. A província tem os maiores níveis de insegurança alimentar e as maiores taxas de desnutrição do país. Como se não bastasse, em 2019, a Cabo Delgado foi fustigada pelo ciclone Kenneth.
Mas foi apenas no ano passado que Salomé começou a ver a ameaça aproximar-se de sua vila e a ouvir rumores sobre o que os agressores faziam contra mulheres e raparigas que decidiu fugir com suas duas filhas e sue bebé mais novo para a casa de dua avó em Nampula.
E Salomé estava certa. Mas ela não se perdoou por calcular mal os riscos para o restante de sua família que ficou em Cabo Delgado.
“Quando voltei para casa, eles já estavam nos atacando", diz Salomé.
"Minha casa foi destruída. Perdi oito pessoas da minha família. Meu marido e meu filho mais velho foram mortos. Consegui fugir a pé, depois vendi algumas joias que eu consegui levar comigo na fuga para pagar as boleias até Nampula para encontrar meus outros filhos e minha avó”.
Lutando contra as lágrimas, Salomé evita lembrar os detalhes de seus entes queridos que faleceram. Até agora, ela não revelou aos filhos sobreviventes que seu irmão mais velho e seu pai morreram. “Eu menti que eles estão viajando”, diz ela.
Salomé e sua família agora sobrevivem graças em parte à assistência prestada pelo Programa Mundial para a Alimentação das Nações Unidas (PMA).
Até março de 2022, a família de Salomé recebia do PMA um saco de 50kg de arroz, 10kg de feijão e 5 litros de óleo vegetal para consumir em um mês. No entanto, a falta de financiamento forçou o PMA a reduzir pela metade a quantidade de alimentos entregue às famílias deslocadas desde abril deste ano. E a contínua falta de fundos pode obrigar o PMA a suspender por completo a assistência alimentar em Fevereiro do próximo ano.
“A situação do financiamento do PMA é preocupante”, diz Antonella D’Aprile, Directora Nacional e Representante do PMA em Moçambique.
“Se nenhum fundo for recebido agora, o PMA será forçado a suspender toda a sua assistência humanitária que salva vidas de um milhão de pessoas no Norte em Fevereiro de 2023”, afirma a Representante do PMA.
Infelizmente, o déficit de financiamento vêm em um momento crítico. Fevereiro é o pico da época de magra - quando os alimentos são mais caros porque os pequenos agricultores estão à espera da próxima colheita e ainda coincide com a época dos ciclones e tempestades tropicais do país.
E Salomé também é uma testemunha corajosa da realidade dos desastres climáticos que assolam Moçambique ano após ano – intensificado pelas mudanças climáticas.
“Estava a tentar reconstruir a minha vida aqui em Nampula. Peguei emprestado este sítio e construí uma casa para mim sozinha”, diz Salomé. “Mas a tempestade Ana veio e destruiu um lado da casa. Então o ciclone Gombe chegou e minha casa inteira desabou; A única coisa que restou foi esta parede; Mas não desisto por causa dos meus filhos.”
Moçambique é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas. Este ano a temporada de ciclones foi particularmente ativa, três tempestades tropicais e um ciclone atingiram o norte e centro de Moçambique afetando 900 mil pessoas. Casas foram destruídas e plantações inundadas, condenando as comunidades a mais fome e desnutrição.
Salomé havia semeado em um terreno emprestado perto de sua nova casa. Mas seu campo recém-cultivado também foi destruído pelas tempestades e ciclones.
“Comecei a plantar lá. Eu tinha o mínimo para sobreviver. Mas o ciclone Gombe levou tudo embora. Eu tinha plantado arroz - todo o arroz se perdeu. É como se eu estivesse vivendo os ataques armados de novo, tudo se foi”, diz ela.
Salomé só conseguiu salvar seu amendoim. Além do arroz, feijão e óleo doados pelo PMA, o amendoim é o único alimento diferente que ela tem para oferecer aos filhos.
“Hoje sobrevivemos graças ao PMA. Todo o meu arroz foi perdido. Todos os cajueiros foram derrubados. Depois do Gombe, eu senti que estava caindo em um buraco. Tive que me abaixar para colher pelo menos os amendoins que sobraram para poder levar comida para casa. Mas eu não desisto”.
“Eu já pensei o que aconteceria caso o PMA pare de nos dar comida”, diz Salomé. “Já me fiz essa pergunta um milhão de vezes; Não sei o que aconteceria comigo e com meus filhos; Não sei".
Apesar das dificuldades, suas duas filhas estão matriculadas na escola, no 5º ano e 3º ano.
Durante nossa segunda entrevista no final deste ano, Salomé diz que sua família tem lutado com a redução pela metade da assistência alimentar recebida. Ela reduz as refeições que a família faz por dia. Ela e seu filho mais novo estavam se recuperando de uma doença (“provavelmente uma gripe forte”) no momento da entrevista.
“Estou plantando hortaliças, mandioca e batata-doce para ajudar em casa, mas precisa de tempo e de boa chuva para crescer. Não tenho a certeza se este tempo nos vai ajudar desta vez. Acho que estamos fracos porque estamos comendo menos”, diz.
Ela também está se esforçando para pegar algum dinheiro emprestado de sua família distante para voltar a comprar e vender produtos novamente. “
Mesmo que seja menos agora, o arroz e o feijão do PMA estão nos salvando. Mas preciso ter meios para sustentar minha família. Estou começando aos poucos a vender capulanas, mas ainda não dá para alimentar minha família sozinha”.
Apesar da violência que continua a deslocar as comunidades no norte de Moçambique e da situação financeira crítica, o PMA conseguiu - até agora - expandir a distribuição humanitária de alimentos e de nutrição para áreas remotas atingindo mais de um milhão de pessoas graças ao apoio de doadores como Estados Unidos da América, União Europeia (ECHO) , Alemanha, França, Itália, Suécia, Noruega, Irlanda, Reino Unido, Japão, Canadá e Arábia Saudita.
Ao passo que apela aos doadores para mais financiamento com urgência, o PMA se esforçará para manter a assistência vital pelo menos para os grupos mais vulneráveis - como os mais desnutridos, crianças desnutridas, mulheres grávidas e mães que amamentam. Mas muitas pessoas poderão ficar de fora da assistência humanitária em risco iminiente de fome e subnutrição – se fundos adicionais não forem recebidos imediatamente.