Pandemia faz recuar vacinação infantil, de acordo com novos dados da OMS e UNICEF
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23 milhões de crianças não receberam as vacinas infantis básicas através dos serviços de saúde em 2020. Este é o número mais elevado desde 2009.
GENEBRA/NOVA IORQUE/LISBOA, 15 de Julho de 2021 – 23 milhões de crianças não receberam as vacinas básicas de rotina ministradas pelos de serviços de imunização de rotina em 2020 - mais 3,7 milhões do que em 2019 - de acordo com dados oficiais publicados hoje pela OMS e pela UNICEF. Este último conjunto de números globais sobre a imunização infantil a nível mundial, os primeiros números oficiais que reflectem as interrupções globais dos serviços de saúde devido à COVID-19, mostram que a maioria dos países registou, no ano passado, quedas nas taxas de vacinação infantil.
À maioria destas crianças – cerca de 17 milhões – provavelmente não foi ministrada uma única vacina durante todo o ano, facto que veio aumentar as desigualdades que já existiam no acesso à imunização. Muitas destas crianças vivem em comunidades afectadas por conflitos, em lugares remotos sem acesso a serviços ou com acesso limitado, ou em ambientes informais ou de bairros degradados, onde existem privações múltiplas, incluindo acesso limitado a serviços de saúde e a serviços sociais básicos.
"Numa altura em que os países clamam por vacinas contra COVID-19, temos recuado noutras imunizações, deixando as crianças expostas ao risco de doenças devastadoras mas preveníveis, como o sarampo, a poliomielite ou a meningite", afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, Director-Geral da OMS.
"Os surtos de doenças múltiplas podem ser catastróficos para as comunidades e sistemas de saúde que já lutam contra a COVID-19, tornando mais urgente que nunca investir na vacinação infantil e assegurar que todas as crianças sejam alcançadas", continuou.
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O número de crianças que não receberam a primeira dose de vacinas vitais aumentou em todas as regiões em 2020; Milhões não receberam as doses posteriores à primeira.
As rupturas nos serviços de imunização foram generalizadas em 2020, sendo as regiões da OMS do sudeste asiático e do mediterrâneo oriental as mais afectadas. Devido à redução do acesso aos serviços de saúde e o alcance da imunização, o número de crianças que não receberam sequer as suas primeiras vacinas aumentou em todas as regiões. Em comparação com 2019, mais 3,5 milhões de crianças falharam a sua primeira dose de vacina contra a difteria, tétano e tosse convulsa (DTP-1), enquanto mais 3 milhões de crianças falharam a sua primeira dose de vacina contra o sarampo.
"Esta evidência deve ser um aviso claro: a pandemia de COVID-19 e as perturbações relacionadas custam-nos resultados valiosos que não podemos dar-nos ao luxo de perder - e as consequências serão pagas em vidas e bem-estar dos mais vulneráveis", disse Henrietta Fore, Directora Executiva da UNICEF.
"Mesmo antes da pandemia, havia sinais preocupantes de que estávamos a começar a perder terreno na luta para imunizar as crianças contra doenças infantis evitáveis, inclusive com os surtos generalizados de sarampo há dois anos. A pandemia veio agravar uma situação que já era má. Com a distribuição equitativa de vacinas contra a COVID-19 como uma prioridade para todos, devemos lembrar que a distribuição de vacinas sempre foi injusta, mas não tem de ser assim".
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Os dados mostram que os países de rendimento médio são agora responsáveis por uma percentagem crescente de crianças não imunizadas - ou seja, crianças que ainda não receberam pelo menos algumas doses de vacinação. A Índia está a sofrer uma queda particularmente grande, com a cobertura de DTP-3 (difteria, tétano e tosse convulsa) a cair de 91% para 85%.
Alimentado por insuficiências de financiamento, desinformação sobre as vacinas e o seu processo, instabilidade e outros factores, está também a surgir um quadro preocupante na Região da OMS do continente americano, onde a cobertura de vacinação continua a diminuir. Apenas 82% das crianças estão totalmente vacinadas com DTP, contra 91% em 2016.
Os países correm o risco de ressurgimento do sarampo e de outras doenças evitáveis com a vacinação
Mesmo antes da pandemia da COVID-19, as taxas globais de vacinação infantil contra difteria, tétano, tosse convulsa, sarampo e poliomielite tinham estagnado durante vários anos em cerca de 86%. Esta taxa está muito abaixo dos 95% recomendados pela OMS para prevenir o sarampo - muitas vezes a primeira doença a reaparecer quando as crianças não são vacinadas - e insuficiente para parar outras doenças preveníveis pela imunização.
Com muitos recursos e profissionais de saúde desviados para apoiar a resposta à COVID-19, houve perturbações significativas na prestação de serviços de imunização em muitas partes do mundo. Em alguns países, os serviços de saúde foram encerrados ou ficaram reduzidos a algumas horas de funcionamento, enquanto as pessoas podem ter relutado em procurar cuidados de saúde devido ao receio da pandemia, ou tiveram dificuldades em chegar aos serviços devido a medidas de bloqueio e interrupções de transporte.
"Estes números são alarmantes, sugerindo que a pandemia está a comprometer anos de progresso na imunização de rotina e a expor milhões de crianças a doenças mortais e evitáveis", disse Seth Berkley, CEO da Gavi, a Aliança Global de Vacinas.
"Este é um alerta - não podemos permitir que o legado da COVID-19 seja o reaparecimento do sarampo, da poliomielite e de outras doenças mortais. Todos temos de trabalhar em conjunto para ajudar os países tanto a derrotar a COVID-19, assegurando o acesso global e equitativo às vacinas, como a retomar os programas de imunização de rotina. A saúde e o bem-estar futuros de milhões de crianças e das suas comunidades em todo o mundo dependem disso".
As preocupações não se centram apenas nas doenças propensas a surtos. Já com taxas baixas de imunização, a imunização contra o papiloma vírus humano (HPV) - que protege as raparigas contra o cancro do colo do útero mais tarde na vida, tem sido altamente afectada pelo encerramento das escolas. Como resultado, nos países que introduziram a vacina HPV até à data, mais 1,6 milhões de raparigas não foram vacinadas em 2020. A nível mundial, apenas 13% das raparigas foram vacinadas contra o HPV, tendo caído de 15% em 2019.
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Agências apelam à recuperação urgente e ao investimento na imunização de rotina
Enquanto os países trabalham para recuperar o terreno perdido devido a perturbações relacionadas com a COVID-19, a UNICEF, OMS e parceiros como a Gavi, continuam a apoiar os trabalhos para reforçar os sistemas de imunização, nomeadamente:
- Restaurando os serviços e campanhas de imunização, para que os países possam realizar com segurança os respectivos programas de imunização de rotina durante a pandemia;
- Apoiando os profissionais da saúde e os líderes comunitários a comunicar activamente com os prestadores de cuidados com o intuito de explicar a importância das vacinas;
- Rectificando lacunas na cobertura da imunização, incluindo a identificação de comunidades e pessoas que não foram vacinadas durante a pandemia;
- Assegurando que a entrega da vacina COVID-19 é planeada e financiada de forma independente e que ocorre em paralelo, e não à custa dos serviços de imunização infantil;
- Implementando planos nacionais para prevenir e responder a surtos de doenças evitáveis pela vacinação, e reforçando os sistemas de imunização como parte dos esforços de recuperação da COVID-19.
As agências estão a trabalhar com países e parceiros para cumprir os ambiciosos objectivos da Agenda Global de Imunização 2030, que visa atingir uma cobertura de 90% para as vacinas essenciais para crianças; reduzir para metade o número de crianças não-vacinadas totalmente, ou "dose zero", e aumentar a ministração de vacinas mais recentes que salvam vidas, tais como o rotavírus ou o pneumococo nos países de rendimento baixo e médio.
Sobre os dados
Com base nos dados comunicados pelos países, as estimativas oficiais da OMS e da UNICEF sobre a cobertura nacional de imunização (WUENIC) fornecem o maior conjunto de dados do mundo sobre as tendências de imunização para a vacinação contra 13 doenças através de sistemas de saúde regulares - normalmente em clínicas ou centros comunitários ou através de visitas de trabalhadores da saúde. Para 2020, foram fornecidos dados de 160 países.
Globalmente, a taxa de vacinação para três doses de vacina contra a difteria, tétano e tosse convulsa (DTP-3) caiu de cerca de 86% em 2019 para 83% em 2020, o que significa 22,7 milhões de crianças não vacinadas, e para a primeira dose de sarampo, de 86 para 84%, o que significa 22,3 milhões de crianças não vacinadas. As taxas de vacinação para o sarampo na segunda dose foram de 71% (de 70% em 2019). Para controlar o sarampo, é necessária uma taxa de cobertura de 95% de duas doses de vacinas; os países que não conseguem atingir esse nível dependem de campanhas periódicas de vacinação a nível nacional para preencher a lacuna.
Para além das perturbações de imunização de rotina, há actualmente 57 campanhas de vacinação em massa adiadas em 66 países, para o sarampo, poliomielite, febre amarela e outras doenças, afectando vários milhões de pessoas.
Novo modelo de análise da imunização também mostra declínios significativos na cobertura da vacinação contra o sarampo (DTP)
A nova modelização de análise de vacinação publicada hoje no The Lancet por investigadores do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME) com sede em Washington, mostra de forma semelhante que a vacinação infantil diminuiu globalmente em 2020 devido a perturbações da COVID-19. O modelo liderado pelo IHME é baseado em dados administrativos notificados pelo país para vacinas contra DTP e sarampo, complementada por relatórios de registos médicos electrónicos e dados sobre a deslocação de pessoas recolhidos através do rastreio anónimo de telemóveis.
Ambas as análises mostram que os países e a comunidade de saúde em geral devem assegurar que novas vagas de vacinas COVID-19 e o lançamento maciço das vacinas COVID-19 não interrompam a imunização de rotina e que as actividades de recuperação continuem a ser melhoradas.
Nota: DTP 1, 2 e 3 é referente ao número de doses da vacina DTP.
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