“Tenho a certeza de que vou conseguir recomeçar a minha vida de novo depois da [tempestade] Chalane”
15 janeiro 2021
Mais de 73 mil pessoas foram afetadas pela tempestade tropical Chalane. A ONU e os parceiros humanitários assistem os mais necessitados.
Maputo, Moçambique - “Recomecei a minha vida do zero aos 70 anos depois de perder tudo para o ciclone Idai e, agora, tenho a certeza de que vou conseguir recomeçar a minha vida de novo depois da Chalane”, afirma Domingos Sene de 72 anos, um dos 2.325 moradores do reassentamento de Ndedja, Distrito de Nhamatanda, Província de Sofala, após perder a sua casa pela segunda vez em menos de dois anos. Primeiro, pelo ciclone Idai em 2019 e, agora, pela tempestade Chalane.
De acordo com o Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres de Moçambique (INGD), mais de 73.000 pessoas foram afetadas e aproximadamente 30.000 casas foram parcial ou totalmente destruídas pela tempestade tropical Chalane, que atingiu Moçambique em 30 de dezembro de 2020.
As Nações Unidas em Moçambique e os parceiros humanitários estão prestando apoio à resposta liderada pelo governo e assistindo aos mais necessitados.
A história de Domingos e Anguista
“Antes do ciclone Idai, eu morava junto com minha esposa e nossos cinco netos em Tica”, continuou Domingos. “Era uma vida difícil, mas ela era boa”, disse olhando para a sua esposa de Anguista Muíra de 69 anos. A família, como milhares de outras, sobreviveram ao ciclone Idai apenas com a roupa do corpo.
Depois de ficarem abrigados por 25 dias em uma escola junto de seus netos, Domingos e Anguista foram reassentados em Ndedja, onde receberam um pedaço de terra do Governo de Moçambique e assistência humanitária para salvar e sustentar as suas vidas por diferentes entidades das Nações Unidas, atores humanitários e instituições nacionais.
Com os frutos de seu trabalho e das suas próprias mãos, Domingos e Anguista cultivaram gergelim, milho e tomate em sua machamba e conseguiram comprar materiais para erguer a sua casa de dois cômodos e menos de 20 m2.
Após quase dois anos tentando recomeçar as suas vidas, o casal de idosos com cinco crianças pequenas para cuidar relata o trauma de passar por um evento climático extremo pela segunda vez.
“Assim que começou a ventar e a chover, as crianças começaram a chorar e eu e minha senhora ficamos com medo”, conta Domingos. “Pensamos que seria de novo como o Idai”, continuou.
“Quando eu vi as tendas dos vizinhos voando e minha senhora a chorar decidi que seria melhor irmos com as crianças, mesmo na chuva, para a escola que foi escolhida como abrigo seguro”, relembra Domingos com lágrimas em seus olhos.
“Assim que saímos com as crianças, a casa desabou”, afirmou abruptamente Anguista. “Por pouco não morremos com os nossos netos”, suspirou.
Preocupações sobre proteção
As Nações Unidas em Moçambique e os atores humanitários estão particularmente preocupados com o impacto de Chalane nos campos de reassentamento, que continuam a alojar um grande número de pessoas deslocadas pelo Ciclone Idai em 2019. Embora menos intenso do que Idai, Chalane causou uma destruição significativa ao passar por 52 campos de reassentamento nas Províncias de Manica e Sofala.
Como Moçambique está entre os países mais propensos a desastres no mundo e devido às mudanças climáticas, a ocorrência de desastres naturais, particularmente secas, inundações e ciclones, provavelmente aumentará, afirma o Cluster de Proteção da equipa humanitária de país em Moçambique.
Agregados familiares extremamente pobres e em situação de vulnerabilidade, como a família de Domingos e Anguista, estão altamente expostos tanto a choques sazonais, como a estação anual de seca, quanto a desastres naturais recorrentes.
Os membros do Cluster de Proteção da equipa humanitária de país, liderado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, alertam em seu relatório rápido sobre o impacto da tempestade Chalane que a experiência repetida de desastres ambientais pode causar traumas duradouros nas populações afetadas.
À medida que a atenção se desvia para os esforços de recuperação pós-tempestade, há um risco de que a violência de gênero e incidentes de proteção à criança e outros riscos emergentes de proteção aumentem. Isso é especialmente verdade para os riscos relacionados à saúde mental.
Avaliações de Deslocamento e Vulnerabilidade
Para recolher dados de impacto imediato, uma avaliação rápida foi conduzida pela Matriz de Monitoramento de Deslocamentos– (DTM) da Organização Internacional para as Migrações em colaboração com o INGD e descobriu que quase 5.000 famílias nos 52 campos de reassentamento nas Províncias de Manica e Sofala perderam os seus abrigos. Muitas famílias, como as de Domingos e Anguista, precisam de assistência urgente para recuperar um teto acima de suas cabeças.
Nos primeiros dias após a tempestade, um estudo realizado pela OIM em conjunto com os Serviços Distritais de Saúde e do Gênero, Criança e Ação Social dos Distritos do Buzi, Dondo, Nhamatanda e Sussudenga avaliou especificamente os danos sofridos pelos grupos mais vulneráveis.
O estudo revelou a grande extensão dos danos e da destruição de abrigos de grupos altamente vulneráveis, incluindo famílias chefiadas por crianças e mulheres, idosos que vivem sozinhos ou cuidam de crianças, pessoas com necessidades especiais ou com doenças crônicas.
Essas famílias em situação de alta vulnerabilidade precisam ser priorizadas nas distribuições e nos esforços de reconstrução e restauração desde o início da prestação de assistência humanitária, visto que essa situação expõe as famílias vulneráveis a riscos consideráveis de proteção em termos de segurança física, proteção infantil, assistência humanitária e serviços básicos, entre outros.
Avaliação de Proteção
A avaliação realizada pelo Cluster de Proteção em conjunto com os Serviços Provinciais de Saúde e de Gênero, Criança e Ação Social realizou um inquérito entre pessoas deslocadas internamente nos campos de reassentamento mais afetados em três distritos da Província de Sofala entrevistando idosos, mulheres, adolescentes e homens, incluindo pessoas com necessidades especiais.
Os resultados preliminares da Avaliação de Proteção apontam que muitos deslocados vulneráveis ainda vivem em estruturas semipermanentes, expondo-os a riscos quando tempestades como a Chalane assolam a região. Os deslocados internos também relataram ter perdido documentação civil durante o Idai e a Chalane.
Os atores da saúde notaram um aumento na hipertensão em pacientes, demonstrando um aumento das necessidades relacionadas à saúde mental e apoio psicológico por medo de um “segundo Idai”. Muitos entrevistados também indicaram a necessidade de oportunidades adicionais de subsistência, um deles o próprio Sr. Domingos:
“Estou acostumado a trabalhar no campo e, como você pode ver, a tempestade não destruiu minhas plantações. Eu só preciso de apoio para ajudar a reconstruir minha casa; Preciso de ferramentas e sementes para continuar cultivando meu campo e sustentando minha família”, afirmou Domingos.
A Avaliação de Proteção também descobriu que vários espaços amigos das crianças, espaços amigos das mulheres e tendas de proteção foram destruídos. A perda desses espaços afeta diretamente e limita severamente o espaço para a educação e as atividades para crianças bem como o espaço seguro para mulheres e raparigas.
Após a tempestade tropical Chalane, a ONU e parceiros humanitários, em coordenação com o Governo de Moçambique, continuarão o esforço colaborativo contínuo para rastrear e responder a essas questões de proteção, deslocamento, abrigo e assistência para os mais vulneráveis.
*Artigo produzido com o apoio e relatos de membros do Cluster de Proteção da Equipa Humanitária de País em Moçambique.