"Tempestade Chalane encerra um ano bastante duro para Moçambique", afirma Coordenadora da ONU
Coordenadora Residente da ONU e Coordenadora Humanitária para Moçambique, Myrta Kaulard, fala sobre a tempestade tropical Chalane e o ano de 2020 à ONU NEWS.
Maputo, Moçambique - Os efeitos da tempestade Chalane em países como Moçambique, Maláui, Zimbábue e Botsuana podem ser arrasadores se a tempestade persistir nesses países africanos. Em Moçambique, os ciclones Idai e Kenneth foram os mais fortes que passaram pelo sul do continente no ano passado. A ONU News entrevistou a coordenadora residente e chefe do Sistema das Nações Unidas no país. Leia a íntegra da entrevista a Eleutério Guevane, 24 horas antes da passagem da tempestade pelo país.
Myrta Kaulard (MK): Estamos trabalhando muito junto às autoridades moçambicanas. A tempestade tropical Chalane vai passar exatamente, ou quase, nas mesmas áreas que passou o ciclone Idai em março de 2019. As memórias estão ainda muito frescas. Muitas pessoas estão ainda muito vulneráveis.
As autoridades estão se preparando muito com informação para a população para evacuar. Muita população já foi retirada na resposta ao Idai, mas sempre há pessoas que voltam a zonas em risco de cheias e perto do mar. Chalane vai trazer ventos fortes, muita chuva e maré alta. A maré vai estar alta e isto vai agravar o problema das inundações.
ONU News (ON): E quais as informações no momento sobre a ação das Nações Unidas?
MK: Estamos trabalhando juntos na cidade da Beira. Temos uma equipe das Nações Unidas que está organizando a preparação do preposicionamento do estoque humanitário, fazendo o alerta às populações e se organizando para ver quem vai fazer o quê.
As previsões são bastante sérias e poderá haver até 4 milhões de pessoas afetadas pela tempestade. Mais de 6 mil escolas e centros de saúde. Para tudo isto temos que estar preparados: centros para evacuação de pessoas, água e saneamento e alimentos. Tudo isto está em curso de forma muito ativa.
Desde que a informação chegou, sobre a trajetória da tempestade Chalane, nós estamos trabalhando de maneira muito intensiva. Estamos muito preocupados porque não temos muitos recursos. 2020 foi um ano de resposta ao ciclone Idai, na primeira parte do ano. Houve muito esforço de mobilização de recursos.
A segunda parte do ano foi um período no qual recebemos muitos recursos e solidariedade da comunidade internacional com Cabo Delgado na resposta aos deslocados vítimas do terrorismo.
Mas as vulnerabilidades e as necessidades em Cabo Delgado também estão muito elevadas. Esta é a preocupação, porque temos que trabalhar juntos nas duas zonas. Não podemos esquecer Cabo Delgado.
Temos que trabalhar em Cabo Delgado como Nações Unidas. Com as autoridades e a comunidade internacional. E temos agora que responder também a Chalane.
Este evento climático nos mostra do quão forte é a vulnerabilidade em Moçambique. O clima não espera. O clima não está para olhar quais são os outros desastres e outros desafios em curso. Este é um país de rendimentos baixos. Um país de muita vulnerabilidade. Um dos que têm maior vulnerabilidade ao clima.
É muito importante agora juntar todas as energias da comunidade internacional, e pensar mais em Moçambique. Pôr o país no centro das preocupações internacionais e trabalhar na emergência, na resposta humanitária, na recuperação, na resiliência a crises de eventos de violência, do terrorismo e na crise climática.
ON: Em Cabo Delgado, onde esteve há pouco tempo, o que viu e que imagem gostaria de levar à comunidade internacional que agora também está em alerta com a situação causada pela tempestade?
MK: Em Cabo Delgado vimos muitas pessoas que tiveram que fugir das suas famílias e de onde viviam por causa da violência e do terrorismo. Vimos comunidades acolhedoras com grande generosidade. Estas zonas estão entre as mais pobres do mundo.
As pessoas não têm muitas coisas, mas estão a partilhar o pouco que elas têm para acolher os deslocados. Mas vimos como esta solidariedade está ameaçada porque as necessidades estão a aumentar.
Temos meninos, crianças, que não têm água limpa nem para beber ou se lavar. A água já era pouca para as populações acolhedoras e agora estas devem partilhar com as populações deslocadas. Esta é uma situação muito desafiante.
Cabo Delgado está tendo chuvas. Está e vai chover. Estamos entrando numa época de chuvas que podem ser violentas. A vulnerabilidade vai aumentar.
Lançamos um apelo para resposta humanitária em 2021 de um total de US$ 254 milhões para assistir até 1,1 milhão de pessoas em Cabo Delgado.
Este é um apelo que estamos a fazer de uma maneira muito aberta a toda a comunidade internacional: é importantíssimo dar esta resposta humanitária, assim como é importante investir na resiliência à violência e ao clima, ao mesmo tempo, para poder prevenir que a situação em Cabo Delgado se torne ainda mais difícil, ainda mais perigosa e violenta.
ON: Representante, há situações que parecer dar alguma esperança: desmobilização no centro e alguns avanços. Pode descrever principalmente no âmbito de sua tutela atuando junto a pessoas que querem o calar das armas.
MK: 2020 foi um ano difícil, muito duro. E também tivemos Covid muito forte. Mas houve também coisas positivas. Uma delas é o avanço no processo de paz, desmobilização e desarmamento e reinserção dos antigos combatentes. Isso é algo que as Nações Unidas, sob liderança do enviado especial do secretário-geral, puderam fazer e o sistema de desenvolvimento está e vai acompanhar no ano de 2021 e nos anos subsequentes.
O desenvolvimento é o que vai contribuir para manter uma paz contínua e duradoura. Tivemos um ano muito forte de colaboração entre as Nações Unidas, as instituições nacionais e locais.
De igual modo, na prevenção e na contenção da pandemia da COVID houve muita colaboração entre as Nações Unidas, a comunidade internacional e as instituições nacionais e locais. Moçambique manteve um nível de expansão da epidemia bastante moderado. Temos agora ao redor de 17 mil casos. E é um êxito, um sucesso.
Naturalmente, houve dificuldades econômicas muito grandes. Pudemos evitar uma sobrecarga do sistema de saúde, o que foi positivo. Mas houve um impacto econômico e social, especialmente nas populações mais pobres, nas populações de renda média e principalmente nas mulheres e meninas.
Tudo isto foi devido às dificuldades econômicas ao nível global. Este é um outro desafio que seguirá em 2021, e no qual como Nações Unidas queremos trabalhar juntos com instituições moçambicanas e com a comunidade internacional.
ON: 2021 é também um ano de esperança. O secretário-geral falou de vários desenvolvimentos agora, incluindo a descoberta da vacina da Covid-19 pelos cientistas. Nesse aspeto, como a ONU está a reparar-se para ajudar a ter esta vacina. Quando as vacinas chegam a Moçambique?
MK: Isto é muito animador e positivo: ter uma vacina.
As Nações Unidas em Moçambique estão a trabalhar muito junto às instituições de saúde nacionais e parceiros internacionais para ver como assegurar que Moçambique possa ter acesso às vacinas para populações, especialmente as populações mais vulneráveis e os trabalhadores do sistema de saúde que possam ter esta vacina o mais rápido possível.
Há muita a mobilização de recursos, de capacidades logísticas e de planificação. É um trabalho muito intenso, mas positivo e que estamos a fazer com muito gosto, porque é positivo e vai ajudar muito.
ON: Chegou a Moçambique quando terminava uma grande tempestade. Em algumas horas se viverá uma outra. Teve ocasião de viver o processo e paz, contato com pessoas em Cabo Delgado. Tinha convivido e viu outra face da pobreza nessas áreas. Que Moçambique vê no futuro e o que será necessário que os moçambicanos façam trabalhando com a ONU?
MK: Eu quero ser positiva. Temos que ser positivos, ainda que as necessidades estejam aí.
Como Nações Unidas estamos a trabalhar muito no desenvolvimento sustentável, sobretudo em criar mais oportunidade para meninas e jovens no geral, para que eles possam ter a educação e o emprego que o país precisa.
Isto é uma prioridade política forte.
É muito animador e positivo que Moçambique tenha uma população muito jovem. Foi resiliente à COVIDI. Tem muito potencial e muitos recursos naturais que poderiam ser utilizados. Agora temos um problema de segurança na parte onde existem as reservas de gás, por isso é que temos que trabalhar para que a paz volte no norte, e na resiliência climática um grande desafio e uma oportunidade. Pode-se criar oportunidades para jovens.
Nestes temas estamos a trabalhar junto às instituições moçambicanas e aos parceiros: a resiliência ao clima, as mulheres jovens, a igualdade de género e a mobilização de recursos.
ON: Algo mais a dizer fechando a entrevista?
Moçambique é um dos países mais bonitos do mundo. As pessoas também: muito acolhedoras, pacíficas e boas. É muito importante a colaboração entre o país e as Nações Unidas para dar um futuro inclusivo para todas e todos.