Cabo Delgado: “comunidade internacional precisa compreender urgência”
Enviado Pessoal do Secretário-Geral para Moçambique diz à ONU News que “diplomacia preventiva” pode impedir escalada da violência na Província de Cabo Delgado.
Nova Iorque, EUA - A ONU News (ON) conversa com o Enviado Pessoal do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, para Moçambique. Mirko Manzoni foi nomeado em meados do ano. Agora, tem estado envolvido em contatos entre a comunidade internacional e o governo sobre as situações de insegurança no centro e norte.
ON: Muito obrigado por esta conversa. Primeiro faça uma análise, começando mesmo pelo norte. Fala de Moçambique, com a situação do norte entre a de países, antes pacíficos, e agora em conflitos. Temos depois uma situação do centro, na qual também está envolvido na busca de solução. Pode caracterizar cada um destes momentos e situações, representante?
Mirko Manzoni (MZ): Muito obrigado, primeiro pela oportunidade para falar. Acho que a minha preocupação na situação que temos agora em Moçambique é que parece que o país não é parte da agenda internacional. Eu acho que esse é o problema que temos. O problema do centro do Moçambique é um pouco mais fácil em termos de negociação, porque é um problema que concerne somente aos moçambicanos. Uma diferença entre eles. O problema, que temos no norte, é um problema de terrorismo. O problema é que em Moçambique e também na região este problema estava presente. Agora é igualmente lançar na agenda (internacional) de uma maneira construtiva, demonstrar que o problema existe. Porque anos atrás, no passado, o problema do terrorismo foi no Sahel. Aqui nesta região não havia nada. Acho que a comunidade internacional, hoje, não está a ver de uma maneira correta a urgência do problema. O problema é sério.
ON: Falou aqui da comparação com Sahel. Começou na Nigéria e foi se alastrando pelos países. Agora temos o Burquina Fasso e mais abaixo. Até que ponto é que esta situação (em Moçambique) pode ser pensada dessa maneira nesse caso?
MZ: É por essa razão a minha preocupação. Porque antes de trabalhar em Moçambique trabalhei em Mali, Sahel. Lá eu me lembro que, no início, o problema não era considerado de uma maneira sensível e importante, porque parecia ser um problema não muito grande. Hoje, a minha preocupação é evitar o mesmo erro. Acho que hoje em Moçambique este é um momento em que podemos evitar o mesmo erro e uma catástrofe como a que podemos ver agora no Sahel e na Nigéria. É difícil atrair atenção para se compreender o que ocorre agora. Também precisamos de uma diplomacia preventiva para evitar o problema.
ON: Diplomacia preventiva tem sido abordada pelo secretário-geral das Nações Unidas, que lhe enviou pessoalmente a Moçambique. Como acha que a comunidade internacional poderia tentar encontrar uma solução para este caso, principalmente do norte sobre o qual estamos aqui a falar?
MZ: Temos dois pontos que são importantes. Primeiro, precisamos evitar os erros feitos nos outros países. Não é necessário se substituir Moçambique. Precisamos apoiar para que o país possa enfrentar este problema. Não sozinho, mas com a cooperação com as forças moçambicanas em todos os sentidos. Do nosso lado, precisamos primeiro ouvir o que o Moçambique está a dizer. O que são as necessidades de Moçambique. Não falar e dizer: ‘temos isto e aquilo’ e pedir uma lista sobre a maneira em que nós podemos ajudar. Temos de falar com o Moçambique e ouvir o que precisa, primeiro, como o país. Não temos que apresentar uma solução, não. Temos que ver do lado de Moçambique o que o país, precisa primeiro. Porque se gostaríamos de uma solução sustentável precisamos de apoiar o Moçambique, e não tentar substituir o país no trabalho que (ele) deve fazer.
ON: E sobre os últimos contatos sobre o norte, que são os que causam a situação lá e quem são os que estão lá?
MZ: Tenho muitas informações, porque eu falo diretamente com o governo, e situação é difícil. Temos 500 mil pessoas deslocadas. Moçambique precisa de apoio humanitário, de apoio médico para os deslocados, mas também para os soldados diretamente.
Os insurgentes, os terroristas, têm uma capacidade importante do ponto de vista de armas e tecnologia. É uma situação muito difícil. Mais ou menos a mesma que foi num país como o Mali no início. A vantagem hoje é que estamos a observar o início de uma crise. E o que podemos fazer, na minha opinião, é concordar com o apoio dos parceiros de Moçambique e da região, que uma crise mais grave possa ser evitada.
Podemos resolver o problema antes que se torne um problema que depois levará vários anos e anos. Moçambique é um país com recursos enormes. Moçambique pode ser um país rico e líder na região. Países da África podem apoiar diretamente Moçambique para resolver este problema. Por que o problema não é somente de Moçambique é da região. Agora é um problema regional.
ON: Em África existem cinco países lusófonos. Além disso está Portugal, na Europa, que vai assumir a presidência da União Europeia. Mas o Brasil também tem peso internacional. Como é que acha que este grupo de nações da Cplp tendo como elo a língua, poderia ajudar como parte da comunidade internacional?
MZ: Claro que é sempre é importante a aproximação no sentido de que quando falamos a mesma língua é mais fácil o diálogo. Os países que têm uma proximidade com Moçambique podem apoiar ainda no lado diplomático. Particularmente para fazer com que Moçambique possa explicar em nível internacional, de uma maneira muito clara o que o país precisa. Acho que nesse assunto, as Nações Unidas, em Nova Iorque, podem ajudar de uma maneira que Moçambique possa ser ouvido e possa explicar exatamente o que está aqui a ocorrer e qual é o problema. A minha opinião é que nas Nações Unidas precisamos de ajudar com uma diplomacia preventiva. Eu falo de uma maneira em que se possa oferecer a Moçambique uma plataforma para discutir. É sempre um problema discutir, porque isso significa também ter alguma confidencialidade. Não discutir na imprensa ou em outros lugares. Uma plataforma onde o Moçambique tenha sensação de uma discussão de uma maneira aberta com parceiros e confiança. A confidencialidade é muito importante neste tipo de assunto.
ON: Representante, agora estamos perto de 2021. E quais são os próximos passos em nome do secretário-geral?
MZ: A prioridade? Tenho um compromisso com o secretário-geral. Ele me enviou aqui para ajudar a pacificar o país. A minha prioridade é o centro do Moçambique, claro. É importante também porque agora o problema que temos com a junta militar tem de ser resolvido. É um problema que provoca distúrbios em países como Maláui, Zimbabué. O centro do Moçambique é um ponto estratégico para o negócio em geral. Temos de resolver este problema. É um problema completamente político que precisa de muita paciência. Estou a trabalhar com os diferentes parceiros. Estou também a negociar diretamente com a junta. E represento, nesse sentido, as partes. Pode ser o governo e o outro lado, a junta. Vamos tentar concordar sobre uma solução. Eu espero que antes do Natal poderemos resolver este problema da junta. Não é um problema fácil. É um problema relativo diretamente ao partido Renamo, que não é somente um simples partido do país. Este é um problema político, sendo importante conhecer bem esse lado. É verdade que depois de alguns anos de conversação com o presidente Dhlakama (falecido líder da Renamo) compreendo um pouco o que está a ocorrer lá. A prioridade é o centro e precisamos de apoio igualmente para o norte.
ON: Estando há anos em Moçambique como um membro do corpo de diplomático. Agora, representante pessoal do secretário-geral, o que tem a dizer para aquele povo que já deve ter visto lá no norte. E o que está no centro com muita terra, chuvas a cair e sem produzir e olha para si vendo o secretário-geral em Moçambique?
MZ: Primeiro, que o secretário-geral tem muita atenção para Moçambique. Temos muitos assuntos no mundo agora. Países com conflitos muito importantes: a Síria, a Líbia, o Iêmen e outros com crises. Mas o secretário-geral, com a decisão de nomear o enviado pessoal, está a mostrar o interesse e a preocupação diretamente por Moçambique. Este é um sinal importante do lado do secretário-geral. Eu vou pessoalmente viajar na próxima semana para verificar de uma maneira clara e reportar ao secretário-geral a situação do centro de Moçambique. Eu gostaria de ver diretamente o que que está a correr lá nas bases que estamos a desmobilizar. Também a situação da população. O meu compromisso é de respeitar a missão que eu recebi do secretário-geral de pacificar o país. Eu não vou sair de Moçambique antes de terminar esta missão. Este é o meu compromisso com o secretário-geral e com os moçambicanos.