Mensagem do Sr. Aeneas C. Chuma, Diretor Regional da ONUSIDA para a África Oriental e Austral, por ocasião do Dia Mundial de Luta Contra a SIDA 2020
01 dezembro 2020
- Mensagem do Sr. Aeneas C. Chuma, Diretor Regional da ONUSIDA para a África Oriental e Austral, por ocasião do Dia Mundial de Luta Contra a SIDA 2020: Exercer uma vigilância constante para garantir que os ganhos da resposta à SIDA não se percam
Joanesburgo, África do Sul - Desde o início do surto da COVID-19, todos os dias chegam relatórios dos escritórios nacionais da ONUSIDA na região da África Oriental e Austral sobre a perda dos meios de subsistência e a consequente insegurança alimentar e privação geral na região, especialmente entre os milhões de pessoas que ganham a vida no sector informal - tais como trabalhadores de sexo, comerciantes informais e trabalhadores domésticos.
Esta perda de sustento não está a ser sentida apenas por aqueles que residem no continente africano, mas também por pessoas da diáspora africana que costumavam enviar remessas para as suas famílias e entes queridos.
De acordo com o Banco Mundial, em 2018, as remessas para a África subsaariana totalizaram uns impressionantes 48,2 mil milhões de dólares, ultrapassando os 43,9 mil milhões de dólares de ajuda pública ao desenvolvimento (APD) para a região. Na verdade, as remessas têm excedido a APD desde meados da década de 1990.
Prevê-se que essas remessas caiam 23%, para 37 mil milhões de dólares em 2020, devido ao impacto da pandemia da COVID-19.
O Programa Mundial de Alimentação das Nações Unidas alertou que cerca de 265 milhões de pessoas na África subsaariana poderão enfrentar uma grave insegurança alimentar até ao final de 2020, número acima dos 135 milhões de pessoas antes da crise, devido a perdas de rendimento e de remessas.
O surto da COVID-19 afetou simultaneamente a procura e a oferta. Este não foi um impacto gradual, que seguiu o ciclo económico habitual. Foi global. E foi repentino e dramático.
A economia africana depende, em grande medida, do comércio com a Europa e com a China e da exportação de produtos primários, como o petróleo, café, cacau, metais e minerais. A procura por estas matérias-primas caiu abruptamente. O preço das matérias-primas acompanhou a queda no preço do petróleo, que atingiu um mínimo histórico de 18 dólares por barril em Março de 2020. Embora os preços do petróleo estejam a recuperar lentamente, estão muito abaixo do que estavam há um ano. A procura global por matérias-primas permanece baixa.
As nossas economias também dependem muito do turismo desses mesmos lugares. Esta é uma indústria que não parou completamente, uma vez que acionou os travões de emergência para evitar uma colisão frontal.
A pandemia da COVID-19 agrava as desigualdades e intensifica as vulnerabilidades das pessoas, mais gravemente os 25,6 milhões de pessoas que vivem com o HIV na África subsaariana.
Um relatório recente da ONUSIDA revela que os confinamentos e outras medidas de restrição relacionadas com a COVID-19 tiveram repercussões tanto no transporte de mercadorias ao longo da cadeia de valor da produção, como na distribuição de medicamentos contra o HIV.
As barreiras à cadeia de abastecimento e um choque económico previsto indicam uma possível flutuação na disponibilidade de medicamentos antirretrovirais e um possível aumento no seu custo. Os fabricantes enfrentam problemas logísticos que colocam as pessoas que vivem com o HIV e as pessoas com maior risco de infeção pelo HIV em risco por haver perturbações perigosas na saúde e nos serviços de HIV.
A circuncisão masculina médica voluntária, a produção e distribuição de preservativos, a profilaxia pré-exposição, a despistagem e tratamento do HIV e outros programas foram todos afetados negativamente.
Um grupo de modelação matemática reunido pela Organização Mundial da Saúde e pela ONUSIDA estimou que uma perturbação de seis meses nos serviços de HIV poderia levar a 500 000 mortes adicionais por doenças relacionadas com a SIDA (incluindo a tuberculose) na África subsaariana em 2020–2021.
Se os serviços de prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho parassem de forma semelhante durante seis meses, o aumento estimado de novas infeções infantis mais do que duplicaria no Malawi, Uganda e Zimbabwe, e aumentaria 83% em Moçambique.
Uma perturbação total de seis meses nestes serviços é um cenário extremo e pouco provável de acontecer. Tal situação aponta para a realidade das perturbações nos serviços de HIV provocadas pelos confinamentos e o fardo adicional que a COVID-19 tem colocado nos sistemas de saúde.
Na África subsaariana temos a sorte de ter “veteranos na resposta à SIDA” que estão na vanguarda da resposta à COVID-19. Contamos com 30 anos de experiência na resposta à COVID-19, que temos de utilizar como lições para enfrentar esta nova pandemia.
O que aprendemos é que as comunidades, com toda a sua heterogeneidade e diversidade, devem estar no centro de qualquer resposta no domínio da saúde.
A COVID-19 tem destacado a resiliência e inovação das comunidades em toda a região. Por exemplo, há redes de pessoas que vivem com o HIV a fazer entregas ao domicílio de medicamentos antirretrovirais, para que quem esteja na mesma situação possa evitar instalações de saúde e se possa proteger da infeção pela COVID-19.
Estamos orgulhosos pelo facto de décadas de experiência e a infraestrutura construída para responder ao HIV estarem a ser utilizadas na resposta ao coronavírus, e que ativistas de todo o mundo estão a trabalhar arduamente para garantir que a perturbação nos serviços de HIV é evitada ou, pelo menos, minimizada.
Temos observado muitos governos a acelerar o trabalho de implementação das diretrizes da Organização Mundial da Saúde relativas à distribuição para vários meses de medicamentos antirretrovirais para três a seis meses, de modo a garantir que as pessoas que vivem com o HIV tenham um abastecimento constante de tratamento.
Regozijamo-nos com o facto de, até à data, o Fundo Mundial de Luta contra a SIDA, a Tuberculose e o Paludismo ter atribuído até mil milhões de dólares disponíveis para ajudar os países a combater a COVID-19.
Mas estamos igualmente preocupados com a fragilidade dos serviços de HIV/Tuberculose que estão a ser reorientados para a COVID-19. Não podemos retirar dinheiro e recursos de uma doença para tratar outra. A resposta a uma nova epidemia não deve afetar as respostas a epidemias mais antigas.
Devemos continuar a investir na resposta à SIDA e, agora mais do que nunca, precisamos de uma solidariedade global que dê prioridade à crise de saúde pública neste continente.
A África já tem uma dívida soberana elevada e os empréstimos no pós-COVID19 serão para as necessidades, como medicamentos, equipamentos e alimentos. Durante a crise financeira global de 2008, os pacotes de incentivos visaram o sector financeiro, de modo a ajudar a reanimar as economias em dificuldade e para que o dinheiro voltasse a circular no sistema.
Desta vez, precisamos de pacotes de incentivos para pôr comida na boca das pessoas. A África só agora está a começar a recuperar da pandemia da COVID-19 e vai piorar antes de melhorar. Provavelmente iremos ter uma depressão.
Os países desenvolvidos podem dar-se ao luxo de adotar uma abordagem de “liquidez infinita” — ou seja, fazer o que for preciso para reanimar a economia e proteger a produção. Só nos EUA, o pacote de incentivos parece estar na casa dos 2 biliões de dólares — o maior da sua história. Em África, não temos recursos ilimitados semelhantes para resgatar as nossas economias.
Em 2019, 18 países africanos foram classificados como estando em situação de sobre-endividamento ou próximos dessa situação. Isto foi antes do surto da COVID-19. Se a COVID-19 nunca tivesse acontecido, talvez ainda pudéssemos estar a falar de uma reestruturação condicional da dívida ou da interrupção da suspensão do pagamento da dívida. Agora não.
A África subsaariana necessita do cancelamento da dívida para proteger a saúde e o bem-estar dos 1,1 milhares de milhões de pessoas que a chamam de lar.