Maputo, Moçambique - Mulheres e crianças conversam sob uma árvore no pátio de um abrigo para mulheres na província de Manica, no centro de Moçambique. Entre eles está Maria*, 24, uma sobrevivente violência doméstica recém-chegada ao abrigo.
O relacionamento de Maria com seu o marido chegou ao limite no dia em que ele lhe bateu durante a sua gravidez. Os vizinhos sabiam que Maria vinha sofrendo violência há anos, e convidaram-na para passar a noite com eles. Quando Maria decidiu voltar para casa, descobriu que o marido não a deixava entrar mais. Grávida, ferida e sozinha, dormiu ao relento, sob um carro velho no canto do quintal.
Na manhã seguinte, chegaram activistas comunitários das organizações locais LeMuSiCa e Luarte, para informar a Maria sobre o abrigo para mulheres.
Muitos casos de violência: poucos denunciados, menos resolvidos
Vinte e cinco por cento das mulheres em Moçambique sofreram violência física ou sexual durante as suas vidas. Mais de metade destas permanece em silêncio devido à pressão da família, por medo de retaliação ou simplesmente porque acredita que a violência é normal. Na província de Manica, os índices de violência física contra as mulheres estão entre os mais altos do país, com 27% das mulheres entre 18 e 49 anos sofrendo violência em algum momento das suas vidas.
"Eu posso me aproximar a outra mulher e dizer que ela não precisa de sofrer" - Maria*, 24
"Tem havido muitos casos de violência na nossa província, mas poucos são denunciados", diz Laura Machava, ponto focal de género dos serviços de saúde, mulher e acão social do distrito. Por vezes, os sobreviventes ou suas famílias procuram chegar a um acordo sem envolver as autoridades. Mas mesmo quando os incidentes são reportados, existem poucos serviços de qualidade para as sobreviventes. As lacunas no acompanhamento entre os sectores de polícia, saúde, ação social e justiça significam que muitas mulheres ficam esquecidas. Muitos casos simplesmente permanecem sem solução.
A organização local LeMuSiCa traz esperança às sobreviventes de violência em Manica, fornecendo assistência e abrigo para mulheres e crianças. Em conjunto com a organização comunitária de base LUARTE, eles educam as comunidades sobre violência sexual e de género. Os activistas destas organizações ajudam a identificar mulheres e raparigas que se encontram em situações de abuso, e apoiam a sobrevivente a procurar ajuda através da polícia ou do sistema de justiça, ou a aceder aos serviços sociais e assistência médica. Estes activistas também trabalham com as sobreviventes para encontrar soluções de longo prazo, como alojamento e modo de vida.
“Aqui, os nossos corações ficam em paz”
No abrigo, Maria recebeu apoio psicossocial e tratamento médico. Não querendo voltar para o marido, pretende ficar no abrigo até o seu bebé nascer. Depois de alguns meses de descanso, Maria planeia deixar o abrigo e começar de novo.
"Se você calar, a violência nunca vai acabar" - Maria*, 24.
"Aqui nossos corações ficam em paz", diz Maria. Ela não só escapou da violência, mas também aprendeu que as sobreviventes têm escolhas. “Eu posso me aproximar a outra mulher e dizer que ela não precisa de sofrer. Aprendi que podemos denunciar porque, se você calar, a violência nunca vai acabar. "
Esta intervenção, apoiada pela Iniciativa Spotlight, já ajudou nove mulheres e raparigas no distrito de Chimoio, na província de Manica, a escapar da violência extrema nos últimos seis meses. Inúmeras outras receberam assistência para denunciar casos de violência, receber tratamento médico ou navegar o sistema judiciário.
*o nome foi alterado