Discurso do Presidente de Moçambique durante a 78a Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas
Discurso de S.Exa o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, durante Debate Aberto da 78a Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas.
NOVA IORQUE, EUA
- Senhor Dennis Francis, presidente da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas,
- Senhor António Guterres,
- Secretário Geral da Organização das Nações Unidas,
- Senhores chefes de Estado e do governo,
- Ilustres representantes dos estados membros,
- Prezados dirigentes das Organizações do Sistema das Nações Unidas,
- Distintos convidados,
- Excelências.
Inicio a minha intervenção transmitindo em novo do povo moçambicano, nosso sentimento de pesar aos povos irmãos de Marrocos e da Líbia pelas tragédias que assolaram estes dois países africanos irmãos.
Quero usar este pódio para reiterar os agradecimentos dos moçambicanos e do nosso governo pelo voto unânime na eleição de Moçambique a membro não permanente no conselho de segurança das Nações Unidas.
A nossa participação no conselho de segurança tem-nos permitido partilhar a nossa experiência na construção da paz e reconciliação nacional, contribuindo para a promoção da paz e segurança internacionais.
Senhor presidente da sessão, excelências,
Em Setembro de 2015, nesta mesma sala aprovamos os objectivos de desenvolvimento sustentável que corporalizam a Agenda 2030. Como líderes, assumimos em nome dos nossos povos o compromisso de reduzir a pobreza em 17 áreas chave e criar um mundo melhor para todos sem deixar ninguém atrás.
O relatório do progresso que apreciamos ontem no painel de alto nível, mostra claramente que o mundo continua a enfrentar várias crises e interligadas que comprometem o alcance da Agenda 2030.
De facto a crise pandémica da COVID-19, os desastres naturais decorrentes das mudanças climáticas e os conflitos armados incluindo o terrorismo e extremismo violento, fazem com que milhões de pessoas continuem a viver na pobreza, sem alimentação adequada, sem acesso aos serviços de saúde e educação.
É verdade que as adversidades de que me referi, fazem regredir os progressos que vínhamos registando de 2015 à implementação da Agenda 2030.
No entanto, continuam a ser a principal causa do insucesso desta agenda, a ausência da confiança e solidariedade entre os que tem muito e aqueles que tem pouco ou quase nada. Mesmo entre os que tem muito, ao invés de cultivar a confiança e solidariedade, gastam os seus recursos e investimentos numa competição guiada pela desconfiança.
Por isso, saúdo a Vossa Excelência Dennis Francis, presidente desta sessão, pelo tema que nos sugeriu relativo a reconstrução da confiança e revitalização da solidariedade global. É um tema crucial da concretização da Agenda 2030 sobre o desenvolvimento sustentável, em prol da paz, progresso e prosperidade, sustentabilidade da humanidade.
Excelências,
Na minha intervenção tentarei centrar atenção sobre a paz, segurança, combate ao terrorismo, mudanças climáticas, transição energética, economia azul e conservação ambiental em observância ao tema sugerido.
Paz e Segurança.
Falando sobre a questão da paz e segurança, várias regiões do mundo vivem o ciclo vicioso de conflitos e instabilidade armada sobretudo em África, são milhares de preciosas vidas que se perdem. O número de refugiados e deslocados aumentou em mais de 50 por cento só no ano passado.
Apesar de esforços multilaterais e várias iniciativas de paz ao nível do conselho de segurança das Nações Unidas e das organizações regionais, a guerra na Ucrânia e noutras regiões prevalece perigando a paz, segurança e a economia global.
O meu próprio pais Moçambique, experimentou ciclos de conflitos armados, por vezes fomentado por forças alheias aos interesses nacionais, mas a sua resolução só foi possível na base do diálogo construtivo assente na base da confiança e respeito mútuo.
Foi assim que em 2019 aprovamos a nova lei de descentralização provincial agora em curso e em Agosto de 2019 assinamos o acordo de paz e reconciliação também designado por acordo de Maputo.
Em junho deste ano encerramos a última base da RENAMO, partido que permanecia armado, marcando a conclusão da fase de desarmamento e desmobilização a fase crucial agora é a reintegração dos ex-guerrilheiros na sociedade, incluindo o pagamento das suas pensões embora não previstas por lei.
Gostaríamos de agradecer pois este processo conta com o apoio das Nações Unidas e outros parceiros multilaterais e bilaterais.
Terrorismo.
Excelências,
Ao mesmo tempo que procuramos encerrar um capítulo do processo de paz e reconciliação nacional, Moçambique é confrontado com o fenómeno nefasto do terrorismo, concretamente na Província de Cabo Delgado, no norte do país.
Em março deste ano aquando da presidência rotativa de Moçambique no Conselho de Segurança, tivemos a oportunidade de partilhar em detalhe a nossa experiência no combate ao terrorismo.
Por um lado, a nossa estratégia assenta no reforço das acções combativas das forças de defesa e segurança moçambicanas com o apoio inicial do contingente do Ruanda e a força multilateral da SADC, que designamos SAMIM.
Temos estado a alcançar sucesso vivo no terreno apesar dos terroristas continuarem a criar terror e medo de forma esporádica em aldeias isoladas. Com a melhoria da ordem e tranquilidade, as populações tem estado a retornar em massa para as suas zonas de origem, recomeçando a sua vida com normalidade.
Esta experiência pioneira de combinação de intervenção bilateral e multilateral é também exemplo de solução de problemas africanos antes por próprios africanos. Contudo, a questão que coloca-se é a necessidade de apoio substancial a estes países que de forma directa e interventiva combatem connosco o terrorismo em Moçambique de modo a tornar sustentáveis as operações ainda em curso.
Neste momento, o desafio é a reconstrução das infraestruturas e a consolidação da coesão social pois as acções decorrem no quadro de um programa estratégico de desenvolvimento integrado na zona norte, que designamos por PREDIN, que conta com o apoio de parceiros, que igualmente apelamos a vossa solidariedade, outra vertente da nossa estratégia de combate ao terrorismo e as fragilidades.
Mudanças Climáticas.
As mudanças climáticas constituem principal crise da humanidade neste século. Esta não é uma nova descoberta, por isso que os discursos em torno desta matéria quase que se repetem.
Evidências científicas mostram que o nosso planeta está a beira de uma catástrofe climática. No entanto, apesar das evidências e dos compromissos assumidos anualmente nas várias conferências sobre as mudanças climáticas, a situação tem estado a agravar-se, tal como acontece com os conflitos a causa principal da crise climática é a falta de confiança, falta de solidariedade adicionado pelo egoísmo de alguns países.
Os países que mais poluem continuam com as emissões que causam o aquecimento global e as mudanças climáticas e o enriquecimento desses países custa o preço da desgraça dos países que menos contribuem com a poluição que coincidentemente são os países mais pobres.
Como consequência, as ondas de calor, ciclones, cheias, secas, terramotos, subida do nível do mar, as queimadas descontroladas e outros fenómenos extremos, tornam-se cada vez mais frequentes em todas as partes do mundo.
No caso de Moçambique, devido a sua localização geográfica, sofre ciclicamente o impacto devastador dos desastres naturais. Os últimos maiores ciclones, isto é, Idai, Kenneth e Freddy, provocaram centenas de mortes e perda de danos avultados na ordem de bilhões de dólares. Até ao momento, não conseguimos recuperar nem um terço dos danos registados. No entanto, o apoio dos parceiros tem sido muito abaixo das promessas e das necessidades.
Em muitos casos, quando estes apoios surgem os parceiros preferem gerir os fundos fora dos mecanismos acordados pelo governo, ocasionando a sobreposição em zonas ou em programas de pouco impacto para as comunidades.
Como consequência, parte substancial dos fundos são gastos em capacitações ou conferências, questões burocráticas, do que propriamente no apoio directo as populações afectadas que mais uma vez denota falta de confiança e solidariedade.
Como forma de mitigar o sofrimento das populações, temos estado a promover soluções internas da consolidação do sistema de desastres com o envolvimento dos actores públicos, privados, sociedade civil e as comunidades locais, tendo como foco a prevenção e adaptação.
Desta forma, temos conseguido reduzir o impacto dos desastres naturais, facto pelo qual Moçambique tem tido reconhecimento da SADC, da União Africana e das Agências das Nações Unidas.
Senhor Presidente, Excelências,
Transição Energética.
A transição energética é um imperativo global, visando construir sociedades mais resilientes e sustentáveis. No entanto, defendemos que a transição energética deve ser justa e deve servir de rampa de modo a permitir aos países pobres encontrar uma janela de oportunidade na diversificação da matriz energética por forma a consolidar a sua economia.
A transição energética requer um investimento de vulto em projectos de geração de energia a partir de fontes limpas. Mais uma vez convida-se aos países mais industrializados para serem solidários incrementando o financiamento climático.
Moçambique é uma referência regional pela diversidade da sua matriz energética que inclui barragens hidroelétricas com destaque para Cahora Bassa, centrais solares e eólicas, estando em curso o projecto de construção da barragem de Mphanda Nkuwa.
No ano transato, Moçambique juntou-se ao grupo de países de produtores exportadores do gás liquefeito, um passo importante na aceleração da transição energética.
Actualmente, o sector energético é dominado pela energia hídrica com capacidade de 2172 megawatts, solar com 95 megawatts, e gás 441 megawatts e à diesel 120 megawatts, com potencial de entrada em operação da central térmica de Temane no último trimestre do próximo ano com capacidade de 450 megawatts e com um ciclo de maturação mais prolongado.
A nova hidroelétrica de Mphanda Nkuwa com capacidade de 1500 megawatts em 2030. De igual modo Moçambique aposta no desenvolvimento da economia azul para optimizar os recursos da extensa zona económica exclusiva ao longo da costa com 2700 quilómetros.
Conservação do meio ambiente.
Somos igualmente um país com uma legislação ambiental robusta que incorpora as principais convenções internacionais, incluindo o Acordo de Paris, a Convenção sobre a Proteção de Espécies em Riscos de Extinção entre outras.
No quadro do compromisso determinado pelo país em DC em 2021, Moçambique tornou-se o primeiro país africano a receber pagamentos do fundo do Banco Mundial por reduzir as emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal.
No ano passado, lançamos a iniciativa regional sobre o maneio sustentável da floresta do Miombo que culminou com a Declaração de Maputo, endossada por 11 países da SADC. A floresta do Miombo é o maior ecossistema de florestas tropicais do mundo dominado por três espécies e que se estende por mais de 2574 quilómetros de comprimento ao longo da grande bacia do Zambeze abarcando 8 países da África Austral.
Nesta iniciativa que visa projectar a natureza contamos com o apoio dos parceiros multilaterais e bilaterais na conservação da floresta do Miombo que muito pode contribuir no sequestro do carbono no planeta.
Excelências,
Os desafios que a humanidade enfrenta na actualidade são gigantescos, porém as soluções estão ao nosso alcance. Nós os líderes aqui presentes temos a responsabilidade histórica de salvar o planeta a bem das gerações vindouras.
As áreas prioritárias que requerem uma acção urgente estão claramente identificadas com a matriz de soluções já definidas das quais destacamos três.
Primeiro, precisamos de renovar a nossa vontade política e redobrar esforços para acelerarmos a concretização das metas da Agenda 2030. Não precisamos de produzir discursos analíticos, o que é importante é cada um agir com força e recursos que se dispõe.
Segundo, temos que intensificar políticas integradas com acções concretas de erradicação da pobreza, redução das desigualdades e a preservação da natureza empoderando as mulheres, jovens e outros grupos vulneráveis.
Terceiro, devemos fortalecer a parceria internacional e o multilateralismo tendo como base o sistema das Nações Unidas.
No entanto, 78 anos depois da criação das Nações Unidas, o mundo conheceu profundas transformações o que requer reformas também profundas.
Termino apelando a existência de um sistema internacional financeiro mais inclusivo, guiado por regras transparentes e mutuamente vantajosas onde a África participe como um parceiro que também tem muito a dar ao mundo e não seja apenas um entreposto que fornece produtos baratos aos países ou a multinacionais internacionais que dominam o mercado também internacional.
Para tal precisamos de resgatar a confiança e o respeito mútuo entre os estados que são os princípios sacrossantos da carta das Nações Unidas.
Só com a confiança, o respeito mútuo e a solidariedade poderemos construir um mundo melhor, um mundo de paz, seguro e sustentável e de bem-estar para todos.
Muito obrigado pela atenção.