"Lutei com todas as minhas forças, porque esse era o sonho dele"
Diz a Bibiche, mãe orgulhosa e também orgulhosa funcionária das Nações Unidas que passou de recebedora de assistência humanitária à funcionária do PMA.
MAPUTO, Moçambique - Mwalutshie Bibiche, 46 anos, cresceu numa família de classe média de oito filhos no distrito de Kolwezi, na República Democrática do Congo, antigo Zaire. Quando tinha 16 anos, a sua família teve de se mudar para outra província, depois de sofrer as consequências de uma crise tribal, durante a qual mais de 130 mil civis Kasaian foram expulsos, incluindo mais de 80 mil crianças, numa campanha de perseguição e expulsão que terá causado a morte de mais de 300 crianças.
“A minha família teve que começar do zero, o que foi muito desafiante, mas os estudos eram a prioridade para os meus pais", afirma Bibiche.
Apesar de todas as dificuldades decorrentes do conflito entre os diferentes grupos étnicos no Zaire, a Bibiche conseguiu ir para a faculdade e acabar uma licenciatura em Ensino da Língua Inglesa e Cultura Africana.
Durante esse período, a Bibiche conheceu o pai do seu filho, um jovem do leste do país. Como a Bibiche explica, “amar alguém do leste era um desafio, pois as pessoas do leste eram vistas como ruandesas, que eram vistas como traidoras, por isso eram perseguidas”. Foi à volta desse momento que decidiram fugir do seu país. Aos 24 anos, a Bibiche viu-se obrigada a começar tudo de novo, longe da família dela, num país totalmente diferente.
A ideia inicialmente era ir para a África do Sul, mas depois de passarem pela Zâmbia e entrarem em Moçambique, foram assediados. Era Junho de 2001 quando conseguiram chegar a Maputo, capital de Moçambique, onde foram encaminhados para um escritório do Instituto Nacional de Apoio aos Refugiados por um homem que a Bibiche não sabe, até hoje, quem era. “Ele simplesmente nos deixou lá e nunca mais o vi”.
A vida no campo de refugiados era em tendas compartilhadas com outras famílias. Foi nessas condições que a Bibiche deu à luz o seu filho. “Se alguém pudesse ver onde dormia o meu filho quando veio do hospital, nem acreditaria que aquele bebé teria um espaço na sociedade”, diz com voz trémula.
Ainda no campo, soube por outros refugiados que o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano moçambicano estava a recrutar refugiados formados, porque tinham falta de professores especializados. Foi então que percebeu como os seus pais tinham razão, pois sempre lhe disseram que “os teus estudos são o teu futuro”.
Em Setembro de 2002, um ano e três meses depois de chegar ao campo, começou o seu primeiro emprego como professora de inglês, em Inhaca, uma ilha frente à costa de Maputo. Era o início da sua carreira profissional cheia de potencial.
“Foi muito desafiante, e, ao fim de um ano, fiz um pedido de transferência ao Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, por isso consegui mudar-me para a Província da Zambézia”.
Depois de passar cinco anos naquela província na região central do país, a Bibiche decidiu que a sua vida precisava de algumas mudanças. Foi no ano de 2008 quando se mudou para a província de Tete, onde começou, mais uma vez, do zero. “Felizmente, sou boa com línguas, por isso aprendi português e comecei a fazer algumas traduções e a ensinar inglês e francês, o que me fez conhecer muitas pessoas”.
Graças à sua experiência e à rede que criou em Tete, a Bibiche conseguiu alguns contractos como consultora. Começou então a fazer a transição profissional de professora para passar a trabalhar com programas de desenvolvimento na área da educação e nutrição para entidades como a Embaixada da Dinamarca ou a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), pouco antes de entrar no Programa Mundial para a Alimentação (PMA) das Nações Unidas.
“Em 2020, comecei a trabalhar com o PMA no programa de emergência e, depois, fui convidada a participar do programa de alimentação escolar; Actualmente, estou a apoiar componentes de educação nutricional”, comenta Bibiche.
“As Nações Unidas levam-te até às pessoas que precisam de assistência e o Programa Mundial para a Alimentação faz-me sentir o que é estar perto de quem precisa”, diz a Bibiche. “Quando vejo as pessoas, lembro-me pelo que eu passei, sei o que eles precisam, sei pelo que elas estão a passar”.
Como Assistente de Programa, a Bibiche sente que o PMA não se limita apenas a fornecer alimentos aqueles que mais precisam, mas também a apoiá-los a mudar as vidas deles. “Eu sou o testemunho de que você tu passas por adversidades, mas se tens fé, se acreditas em si mesmo, se tens autoconfiança, a tua vida pode mudar, do nível mais baixo até apoiar aqueles que precisam; Só posso agradecer às Nações Unidas, ao PMA e aos desafios que a vida me deu”.
“O que é mais motivador para mim hoje é que, aquele menino que nasceu num campo de refugiados é hoje piloto de aviação; O meu filho é piloto; Lutei com todas as minhas forças, porque esse era o sonho dele”, diz a Bibiche, mãe orgulhosa e também orgulhosa funcionária das Nações Unidas.
Este ano, a campanha do Dia Mundial Humanitário das Nações Unidas quer mostrar o compromisso inabalável de prestar assistência às comunidades que servimos.
Os humanitários não têm outro propósito senão salvar e proteger vidas, e prover às necessidades básicas da vida, lado a lado com as comunidades que servem e às que trazem esperança.
A Bibiche é um dos exemplos de como os humanitários não desistem do nosso compromisso de superar os desafios e prestar assistência que salva-vidas às pessoas necessitadas, sem importar quem, nem onde, nem como.