Processo de Paz pode melhorar percepção de Moçambique como país, diz Mirko Manzoni
As Nações Unidas apoiam o processo de processo “desarmamento, desmobilização e reintegração” de ex-combatentes da RENAMO como parte do Acordo de Maputo.
NOVA IORQUE, EUA - Nesta entrevista, o enviado pessoal do secretário-geral, Mirko Manzoni, aborda questões como jovens e terrorismo em Cabo Delgado e a importância de Moçambique como membro não permanente do Conselho de Segurança para um mundo mais pacífico.
ONU News, ON: Olá. Mirko Manzoni é o enviado pessoal do secretário-geral das Nações Unidas para Moçambique. É um país em estabilização, que integra o Conselho de Segurança. Vamos falar da paz e da experiência do país, principalmente desta última parte do processo que se está a implementar há três anos com o Mirko Manzoni pela frente. Bem-vindo à nossa conversa com a ONU News.
Obrigado, agradeço muito esta oportunidade para falar sobre Moçambique.
Que passos Moçambique tem estado a dar para a estabilização? Fala-se de um exemplo pós-independência de conflito e de superação, para o qual não faltaram obstáculos. O Mirko está lá a resolver esta situação. O que está a ser feito para que a estabilização se mantenha em Moçambique?
Estamos a dar muitos passos. Primeiro, o processo foi mais que três anos: de negociação antes e depois de três anos de implementação do Acordo de Maputo. Agora, estamos numa situação em que mais de 94% dos combatentes estão disponibilizados. Temos uma última ação: 15 bases militares foram fechadas e temos agora mais uma base que será encerrada.
E depois, o processo da continuar mais no âmbito da reconciliação e da integração dos combatentes numa vida social normal, como todos os moçambicanos. É um processo não foi fácil, também para os moçambicanos compreender como receber estes combatentes nas vilas e aldeias. Mas é um processo que foi muito interessante, para nós, mas também para o processo de desenvolvimento da sociedade moçambicana.
ON:Mirko Manzoni foi embaixador (da Suíça) em Moçambique, antes de ser chamado para enviado especial no secretário-geral, António Guterres. Esteve a acompanhar o processo de estabilização, o pós-guerra e agora fala de combatentes que são do partido Renamo, antes movimento rebelde. Mas também é uma situação lá mais pelo norte (do terrorismo). Cabo Delgado não está diretamente ligado ao seu mandato, mas o que se pode saber sobre o seu papel neste processo?
É uma pergunta muito interessante, porque acho que o processo de paz em Moçambique poderia ser considerado, no futuro, como um exemplo de uma negociação um pouco diferente. E este exemplo de negociação poderia ser também utilizado para resolver os problemas que temos em Cabo Delgado. Acho um modelo que pode ser usado em outros conflitos. Em Moçambique foi um processo muito orientado e nacional. Nós, como mediadores antes, das Nações Unidas, somos facilitadores. No princípio foi tentar fazer que as partes pudessem dialogar diretamente, sem intermediários. Eu acho que é um modelo que pode ser utilizado também em outros conflitos e processos. Foi uma modalidade que foi chave no resultado que temos hoje em Moçambique.
ON:E a presença do Conselho de Segurança seria essa oportunidade para levar o processo para o mundo? Estas nuances da negociação, da implementação de processos de paz para outras áreas de conflito?
A presença de Moçambique no Conselho de Segurança, hoje, é uma oportunidade para Moçambique partilhar bons resultados e mostrar bons resultados do lado do país. Moçambique foi, no passado, na minha opinião, visto de uma maneira injusta. Foi considerado como não tendo boas práticas. O que não foi correto na minha opinião. O que foi feito no processo de paz também pode melhorar a percepção de Moçambique como país. Eu acho que a posição de Moçambique tem de ser valorizada. O país vai ter uma oportunidade muito importante para mostrar seu lado positivo em boas práticas no âmbito da construção da paz.
ON: Vamos falar dos desafios. Há jovens em Moçambique. Esta faixa etária é a grande maioria envolvida no terrorismo em Cabo Delgado. Há jovens que ultimamente estão envolvidos em convulsões. Como em várias partes do mundo, eles têm uma expectativa maior. As mulheres querem maior inclusão. Como é possível conciliar esta boa expectativa (em nível internacional) com necessidade destes jovens e mulheres que dizem querer participar mais na vida do país?
É difícil, porque para evitar o recrutamento dos jovens pelos grupos terroristas, precisamos de mostrar ao jovem quais as alternativas e oportunidades para o futuro. Do nosso lado, no processo de paz, estamos a trabalhar com o Ministério da Educação para introduzir um discurso mais positivo e mostrar que o diálogo e a paz são a melhor alternativa. Claro que não é fácil. O jovem precisa de um futuro e de ver uma perspectiva lá. É importante o desenvolvimento e a oportunidade de trabalho. A atuação tem de ser combinada com o trabalho da construção da paz e da perspectiva por um futuro melhor.
ON:O que este processo todo lhe tem ensinado como enviado pessoal do secretário-geral e diplomata? Que questões de facto podem ser lavadas para outras partes do mundo para que se possa lidar com situações similares: como vulnerabilidade a desastres, desafios com várias situações políticas e, acima de tudo, as oportunidades que se mostram num momento em que descobrem novos recursos para um país em estabilização?
Eu acho que países que são ricos devem compreender os desafios dos países que não têm o mesmo desenvolvimento. Do meu lado, e na minha experiência como diplomata, é uma situação pouco diferente. Como diplomata temos uma relação bilateral.
Como enviado pessoal do secretário-geral é um trabalho que compreende mais assuntos. É mais fácil que haja uma abertura e que se possa apoiar os países e a relação entre os ricos e pobres. Eu acho que temos também de construir uma relação de confiança entre uma parte do mundo e a outra. Acho que no caso África, a região foi alguma vez percebida de uma maneira injusta. Temos que ver a realidade com grande sensibilidade.
ON: Para terminar deixo o espaço para falar da sua experiência em Moçambique. E quando deixar este processo, como enviado pessoal, o que é que vai levar consigo das experiências que teve no país?
Uma grande humanidade dos moçambicanos. São pessoas que...acho uma experiência incrível e a mais importante da minha vida. Os moçambicanos e África têm um potencial imenso. É um potencial que muitas vezes não é mostrado de maneira justa e positiva. África, na minha opinião, é uma parte importante do futuro do nosso mundo e que deve ser mais valorizada. Acho que temos de construir uma relação mais honesta também com o continente. Para mim foi uma experiência de vida incrível. Se fosse possível promulgar esta experiência, eu gostaria de continuar a trabalhar no continente. Foi uma experiência verdadeiramente muito importante.
ON:E a fechar parece que o processo moçambicano carece ainda de passos por dar, principalmente em relação a estes antigos combatentes?
MM: Estamos agora no processo moçambicano num passo crucial. Porque foi feito recentemente algo muito importante: a aprovação deste decreto que vai permitir que os combatentes da Renamo sejam integrados no sistema de vida normal das pessoas. Acho que é um passo chave que tem que ser partilhado com o mundo e em outros processos. Este passo é importante na fase de reconciliação e foi feito com muita coragem do lado do governo e do lado do presidente também.