Como as mudanças climáticas influenciam a violência contra mulheres e raparigas - e o que podemos fazer em relação a isso
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Os efeitos da crise climática podem ser sentidos em todo o mundo, no entanto, não são sentidos por todos da mesma forma.
NOVA IORQUE, EUA - Os efeitos da crise climática podem ser sentidos em todo o mundo, no entanto, não são sentidos por todos da mesma forma. Mulheres e raparigas carregam o peso de muitas das consequências negativas das alterações climáticas, incluindo uma exposição maior à violência baseada no género. Para as mulheres e raparigas que enfrentam formas de discriminação múltiplas e interseccionais, a realidade é ainda pior.
Mas a mudança pode, e está, a acontecer. Abaixo estão apenas algumas das formas como podemos trabalhar para um futuro mais equitativo e sustentável para as mulheres e para o planeta.
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Garantir às mulheres o acesso e o controlo dos recursos naturais
A nível global, as mulheres possuem menos terra e têm menos direitos sobre ela do que homens. Em todo o mundo, as mulheres constituem menos de 20% dos proprietários de terra, representando, no entanto, cerca de 43 por cento da mão-de-obra agrícola, de acordo com o OHCHR.
O papel crucial das mulheres na agricultura, produção alimentar e meios de subsistência baseados na terra significa que elas sentem mais o impacto da seca e das catástrofes naturais induzidas pelas alterações climáticas, mas que têm pouca influência na forma como os recursos naturais são geridos. Isto limita a sua capacidade de se adaptarem ou compensarem os efeitos das alterações climáticas, tornando-as ao mesmo tempo mais susceptíveis à insegurança alimentar e à pobreza. As mulheres, estão assim, também mais vulneráveis à violência baseada no género, uma vez que dependem dos seus maridos, parentes e proprietários de terras do sexo masculino para a sua subsistência.
"Na Uganda, os casos de violência [contra as mulheres] estão por vezes associados à terra", diz Wycliffe Odiya, Chefe de Equipa da LandNet Uganda, uma organização que defende os direitos das mulheres à terra.
A violência e a coerção podem ser usadas para expulsar as mulheres das suas terras após a morte dos seus maridos, ou as mulheres podem permanecer em relações abusivas porque receiam perder a sua casa se se forem embora. A Iniciativa Spotlight apoia a LandNet e trabalha com líderes culturais e comunitários para assegurar que os direitos legais das mulheres à terra sejam respeitados tanto na teoria, quanto na prática.
A Iniciativa está também a trabalhar para assegurar que mais mulheres controlem e lucrem com as práticas agrícolas sustentáveis. Em 2021, 473 pessoas em Kampala e Tororo, no Uganda, receberam formação em gestão de solos e produção de culturas amigas do ambiente, e receberam também terras arrendadas para cultivar.
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Integrar mulheres e raparigas em planos de recuperação de desastres naturais
Os eventos climáticos extremos e as catástrofes naturais estão a provocar o deslocamento de um número crescente de pessoas. Em 2021, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) divulgou dados que mostram que, desde 2010, o número de pessoas deslocadas por catástrofes relacionadas com as alterações climáticas aumentou para 21,5 milhões. Deslocações, formas de viver muito aglomeradas ou inseguras, interrupção de serviços, destruição de infra-estruturas e acesso limitado a serviços de encaminhamento, deixam mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência e pessoas LGBTQI mais expostas à violência. É por isso essencial que cada país tenha um plano de resposta de emergência que integre as necessidades de todos estes grupos.
Quando, em 2021, chuvas extremas, inundações e deslizamentos de terras atingiram Timor-Leste, a Iniciativa Spotlight, para assegurar que as instalações eram seguras e satisfaziam as necessidades básicas dos grupos vulneráveis, fez uma avaliação aos centros de evacuação. Também alocou cerca de USD 312.000 para apoiar a satisfazer e a responder a essas necessidades (alimentos, vestuário e artigos sanitários).
Em Vanuatu, a Iniciativa Spotlight apoiou com o reforço das capacidades institucionais de forma a assegurar que a violência contra mulheres e raparigas seja sistematicamente abordada na sequência de catástrofes naturais. Também estabeleceu uma parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) para o desenvolvimento de uma série de actividades de sensibilização e de directrizes oficiais, de forma a tornar os centros de evacuação mais seguros para mulheres, pessoas com deficiência e crianças.
Em Moçambique, a Iniciativa apoiou a "Linha Verde - 1458", uma linha nacional, directa e gratuita, financiada pelo Programa Alimentar Mundial (PAM) da ONU, e utilizada pelas populações afectadas por crises, e pelos actores humanitários, para pedidos de informação e assistência, ou para levantar preocupações em relação à assistência humanitária. A "Linha Verde - 1458" oferece também vias de encaminhamento para os sobreviventes de VBG durante as crises. Em 2019 e 2020, mais de 300 profissionais dos serviços sociais e de saúde, operadores de linhas directas de emergência, receberam formação sobre a resposta à VBG. A Iniciativa também forneceu dados móveis, equipamento de trabalho e assistência psicossocial a mulheres e raparigas em risco durante a Tempestade Tropical Chalane.
Na Uganda, a Iniciativa fornece serviços de saúde sexual e reprodutiva em todos os distritos de implementação, incluindo distritos de refugiados, fronteiriços e afectados por inundações. E permite às organizações da sociedade civil combinar recursos para responder às necessidades dos grupos mais vulneráveis.
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Envolver mulheres e raparigas na liderança ambiental e na tomada de decisões
As mulheres e as raparigas devem estar no centro das soluções ambientais. Ou seja, é essencial que elas sejam ouvidas e incluídas na discussão sobre a gestão dos recursos naturais. Para que isso aconteça, a Iniciativa Spotlight apoia grupos da sociedade civil de base, locais e liderados por mulheres, tendo lhes sido atribuídos até agora cerca de 146 milhões de dólares.
"Infelizmente, as mulheres têm sido frequentemente ignoradas nas políticas ambientais. Assim, através dos esforços da Iniciativa Spotlight, investimos muito na amplificação das vozes das organizações de direitos das mulheres, de forma a garantir que elas sejam ouvidas em todos os espaços políticos", diz Erin Kenny, Chefe da Unidade Técnica da Iniciativa.
No Belize, a Iniciativa apoia o Toledo Institute for Development and the Environment (TIDE), que trabalha com grupos de jovens para desenvolver as suas capacidades de liderança e ensiná-los sobre a violência familiar e o ambiente. Kathie Coy, de 15 anos, é uma das jovens líderes que participam neste programa. Ela é vice-presidente do grupo Big Falls Eco Warriors e incentiva outros jovens a tornarem-se líderes nas suas comunidades. "Temos o poder de fazer tudo o que quisermos", diz ela.
No Pacífico, a Iniciativa Spotlight apoia a Island PRIDE, uma organização de base liderada por mulheres e jovens dos Estados Federados da Micronésia, que trabalha na intersecção das alterações climáticas e género, e o DIVA for Equality, um colectivo feminista que trabalha para fazer avançar os aspectos ligados aos movimentos de direitos humanos e justiça. (Isto inclui saúde e direitos sexuais e reprodutivos, justiça climática, saúde e direitos da terra, saúde e direitos dos oceanos, desenvolvimento e justiça económica, direitos das mulheres e das raparigas, direitos relacionados com LGBTGI/SOGIESC, organização e direitos indígenas, e organização e direitos das minorias étnicas). A Iniciativa também apoia o Makefu Women's Council, um grupo de mulheres de Niue que trabalha para desconstruir e compreender os impactos das alterações climáticas na igualdade de género e na violência baseada no género.
"A eliminação da violência baseada no género é crucial para a concretização da igualdade de género e de um planeta saudável, pacífico e sustentável", diz Cate Owren, Gestora Sénior do Programa de Género da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, no seu acrónimo inglês).
Owren apontou a colaboração entre a IUCN e a Iniciativa Spotlight para a 66ª sessão da Comissão do Estatuto da Mulher (CEM66) como um passo crítico para a construção de uma abordagem intersectorial da violência baseada no género e das alterações climáticas. "Neste CEM66, teremos o prazer de colaborar com a Iniciativa Spotlight no âmbito do nosso Centro VBG-ENV, para destacar as ligações entre a VBG e as alterações climáticas e apelar a políticas e acções climáticas ambiciosas, que concretizem os direitos e a resiliência de todas".
A Iniciativa Spotlight investe de forma direcionada e em larga escala em África, na Ásia, Caribe, América Latina e Pacífico, trabalhando para acabar com todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas. Trabalhando em conjunto com o IUCN no seu Centro VBG-ENV, a Iniciativa Spotlight assumiu, a partir deste ano, as alterações climáticas como um tema central. Para a 66ª sessão da Comissão sobre o Estatuto da Mulher (CEM66), o IUCN e a Iniciativa Spotlight estão a colaborar para destacar as ligações entre a violência baseada no género e as alterações climáticas. Visite esta página para saber mais e como ajudar a amplificar estas mensagens.