A arte pode ser uma forma poderosa para as jovens se expressarem. Leia como a prevenção da violência de gênero é feita através da arte em Moçambique.
MAPUTO, Moçambique – Em comunidades conservadoras, pode ser difícil para uma rapariga ou jovem mulher falar abertamente sobre violência baseada no género ou direitos sexuais e reprodutivos. No entanto, a arte pode ser uma forma poderosa para as jovens se expressarem, sem medo de serem julgadas.
Dalila Macuácua, de 44 anos, sabe disso muito bem. Ela é a Coordenadora Nacional da ASCHA (Associação Sócio-cultural Horizonte Azul), uma organização feminista e parceira da Iniciativa Spotlight que usa o “artivismo”, ou activismo através da arte, para educar jovens - principalmente raparigas - sobre os seus direitos, igualdade de género e saúde e direitos sexuais e reprodutivos. A associação envolve jovens em discussões e actividades artísticas, como dança, poesia, fotografia e encadernação de livros.
A Dalila fundou a ASCHA em 2005, após o falecimento da sua irmã, que lhe deixou três crianças órfãs para cuidar. Determinada a dar-lhes uma boa educação, a Dalila juntou-se a outros activistas no seu bairro de Maxaquene, Maputo, e iniciou a ASCHA como uma organização de base comunitária para ajudar crianças e jovens vulneráveis, tal como os seus próprios sobrinhos e sobrinha, a permanecer na escola.
Recentemente, a ASCHA e o Fórum Mulher [uma coligação nacional de organizações feministas] fizeram uma parceria com artistas locais para pintar um mural numa escola primária no distrito de Chongoene, província de Gaza. Os artistas, do sexo masculino, foram convidados a representar visualmente as ideias dos jovens, especialmente das raparigas, sobre os direitos humanos, a igualdade de género e fim da violência sexual e baseada na género.
Em entrevista, a Dalila fala-nos sobre o mural e o que ele representa para a comunidade local.
Qual a ideia original por detrás deste mural?
Esta ideia surgiu através da nossa parceria com o Fórum Mulher no âmbito da Iniciativa Spotlight. Sentimos a necessidade de promover uma nova forma de alcançar, mobilizar e educar os jovens sobre temas sensíveis, como violência sexual e baseada no género, uniões prematuras e desigualdades de género em espaços públicos, incluindo escolas.
A ASCHA vem promovendo há algum tempo o que chamamos de “artivismo”, e junto com o Fórum Mulher, pensámos que produzir um mural seria uma ferramenta poderosa para envolver os jovens numa reflexão sobre estes temas sensíveis, mas de forma recreativa.
Por que escolheram os direitos das mulheres e a igualdade de género como tema?
Escolhemos este tema porque nenhuma nação pode desenvolver-se enquanto metade da sua população [mulheres e raparigas] for deixada para trás e tiver os seus direitos sistematicamente violados. Vimos este mural como uma oportunidade para ampliar as vozes e os direitos das mulheres na luta pelos direitos humanos e pela igualdade de género.
Por que escolheram uma escola, e quem participou no processo criativo?
Escolhemos uma escola primária porque acreditamos que aprender sobre respeito, empatia e solidariedade para com as mulheres e raparigas deve começar na infância. Como tal, antes de entregarmos uma parede em branco aos artistas, realizámos sessões de reflexão com rapazes, raparigas e com a comunidade escolar, sobre temas como normas sociais, igualdade de género e violência sexual e baseada no género, partindo de uma perspectiva de direitos humanos. As mulheres e raparigas em particular, estiveram envolvidas na conceptualização do mural e na selecção dos elementos que deveriam fazer parte do mesmo.
Que mensagem o mural transmite?
O mural transmite uma mensagem de respeito, empatia, solidariedade e direitos humanos - também apelando pelo fim da violência sexual e baseada no género e das uniões prematuras, ao mesmo tempo que enfatiza a necessidade de respeitar a autonomia corporal e a voz das mulheres e das raparigas.
Como é que a comunidade escolar reagiu ao mural?
As reações foram bastante positivas e todos se sentiram envolvidos - alunos, artistas e professores. Embora alguns dos alunos sejam muito jovens, eles entendem as mensagens e gostaram de participar no processo criativo. Eles gostam de brincar perto do mural. Eu diria que a escola assumiu total propriedade pelo mesmo”.
Legenda: Dalila Macuácua, Coordenadora Nacional da ASCHA.
De facto, mesmo os mais novos, como a menina Arsénia Langa, aluna da sexta classe, já entendem bem as mensagens.
“Através mural, eu entendo que ninguém pode tocar no meu corpo sem o meu consentimento. O meu corpo é meu e eu é que mando nele”, afirma Arsénia Langa da sexta classe.
Compreender os seus direitos e reconhecer sinais de abuso desde tenra idade é vital para as mulheres e raparigas, em qualquer lugar do mundo. Num país onde uma em cada três mulheres sofre violência e quase metade das raparigas engravida durante a adolescência, isso é de extrema importância.
Desde que a Iniciativa Spotlight foi lançada em Moçambique em 2019, os parceiros do programa, sob a liderança do Governo, já educaram mais de 900.000 pessoas para prevenir a violência baseada no género e promover os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e raparigas nas suas comunidades – quase o dobro do número de pessoas inicialmente esperado.
Passo a passo, este esforço de mobilização social em todo o país contribui para uma mudança nas percepções, atitudes e comportamentos junto das comunidades, no sentido de um maior respeito pelos direitos das mulheres. Isto, em última análise, apoia uma transformação das normas sociais rumo a um Moçambique onde os direitos, a autonomia corporal e a tomada de decisões de todas as mulheres e raparigas são compreendidos, promovidos e defendidos por todos.
A Iniciativa Spotlight é uma parceria global entre a União Europeia, as Nações Unidas e governos anfitriões para eliminar a violência contra mulheres e raparigas. Em Moçambique, o programa é liderado pelo Ministério do Género, Criança e Acção Social e trabalha com organizações feministas como a ASCHA e o Fórum Mulher, para sensibilizar as comunidades para prevenir a violência sexual e baseada no género. O programa é implementado ao longo de um período de quatro anos (2019-2022), com um compromisso de 28,5 milhões de dólares da União Europeia.