António Guterres apontou as potencialidades dos sistemas alimentares para mudar a situação pandêmica, a fome e as condições de trabalho e produção no mundo.
MAPUTO, Moçambique - Todos os dias, centenas de milhões de pessoas vão para a cama com fome. Três bilhões de pessoas não podem pagar por uma dieta saudável. Dois bilhões estão com sobrepeso ou obesos e 462 milhões estão abaixo do peso.
Quase um terço de todos os alimentos produzidos são desperdiçados. Estes são apenas alguns dos problemas e contradições expostos pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, nesta quinta-feira (23), na abertura da Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU.
O evento reuniu agricultores e pescadores, jovens, povos indígenas, chefes de Estado, governos e muitos outros, em um esforço para transformar o setor e colocar o mundo de volta no caminho certo para alcançar todos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030.
Cerca de 300 declarações de compromisso foram apresentadas por representantes de governos e parceiros da sociedade civil. A ideia era promover um processo inclusivo para garantir uma maior disponibilidade de alimentos.
O líder das Nações Unidas propõe que haja mais união para que “o mundo tenha alimentos saudáveis e nutritivos disponíveis e acessíveis para todos, em qualquer lugar”.
Para Guterres, “a mudança dos sistemas alimentares não só é possível, mas necessária”; para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade.
O chefe da ONU advertiu, no entanto, que a pandemia de COVID-19 tornou o desafio muito maior ao aprofundar as desigualdades, dizimar economias, mergulhar milhões na pobreza extrema e elevar a fome em um número crescente de países.
Ao mesmo tempo, o mundo está “travando uma guerra contra a natureza e colhendo frutos amargos”, ressaltou o chefe da ONU, referindo-se às safras arruinadas, rendimentos decrescentes e sistemas alimentares falhando.
Os sistemas alimentares também geram um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa, alertou Guterres, pontuando que estes também são responsáveis por até 80% da perda de biodiversidade no mundo.
Recuperação da COVID-19
Os sistemas alimentares representam 10% da economia global. O secretário-geral reforçou o seu potencial de “atuarem como um poderoso impulsionador para uma recuperação inclusiva e equitativa da COVID-19”.
Para tornar isso realidade, no entanto, Guterres alertou que os governos precisam mudar a abordagem sobre subsídios agrícolas e apoio ao emprego para os trabalhadores.
Eles também precisam repensar como vêem e valorizam os alimentos, "não apenas como uma mercadoria a ser negociada, mas como um direito que todos compartilham", insistiu o chefe da ONU, lamentando a maneira que o setor alimentício entende os alimentos numa escala global.
O secretário-geral assegurou que a ONU continuará, nesse sentido, junto à comunidade internacional. A organização está convocando uma cúpula de acompanhamento, em dois anos, para fazer um balanço do progresso. Enquanto isso, mais empresas precisam se juntar a estas ações e a voz da sociedade civil precisa continuar pressionando por mudanças, clamou Guterres.
Legenda: Os sistemas alimentares representam 10% da economia global.
A situação desafia nações de língua portuguesa como Angola e Moçambique. Ambos estão entre 23 pontos de fome identificados pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, FAO, e o Programa Mundial de Alimentos, PMA.
O Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Moçambique, Celso Ismael Correia, representante do Governo na Cimeira, ressaltou que o evento é uma oportunidade de transmitir a visão de Moçambique para o principal desafio global que é o combate à pobreza e à fome em todo o mundo.
"Moçambique é um dos países do mundo onde 34% da sua população ainda sofre de insegurança alimentar. Para fazer face a esta questão principal, o Governo de Moçambique comprometeu o maior investimento no sector agrícola para capacitar pequenos agricultores que representam 80% da população do nosso país" - Celso Correia,Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Moçambique.
"Nosso principal desafio continua sendo a transferência de tecnologia e meios de produção para a maioria dos produtores rurais", continuou o Ministro. Para ele, avisão também inclui a integração de pequenos agricultores em cadeias de valor estratégicas, garantindo que esses agricultores sejam capazes de colocar a produção no comércio justo e soluções de mercado.
"É importante que todas as nações continuem melhorando suas políticas de inclusão social e econômica e garantindo que a resolução global de alcançar os ODS até 2030 seja feita por meio da transferência de know-how e financiamento para os países menos desenvolvidos, como Moçambique e outros", afirmou Celso Correia.
"Nosso foco continuará sendo três pilares principais: segurança alimentar e sistemas alimentares, resiliência a conflitos e, claro, mudanças climáticas", afirmou o Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Moçambique.
A representante da ONU em Moçambique, Myrta Koulard, ressalta que o país também não é exceção na busca de soluções. No âmbito nacional aconteceram diálogos sobre o tema como parte da iniciativa global que teve 100 mil participantes.
“A cimeira de sistemas alimentares deixa claro que não pode haver conversas separadas sobre alimentos, clima, saúde, nutrição, energia e ambiente. Sistemas alimentares sustentáveis são a ferramenta-chave para o futuro de todas e todos" - Myrta Kaulard, Coordenadora Residente das Nações Unidas em Moçambique.
"Três milhões de pessoas no mundo não têm alimentação saudável. Um terço dos alimentos são perdidos ou desperdiçados. Os sistemas alimentares produzem um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa, que causam 80% de perda de biodiversidade. Em Moçambique, isso não é uma excessão”, continuou Myrta Kaulard.
"Por isso é extremamente positivo e importante que em preparação para esta Cimeira, o Governo de Moçambique junto com a sociedade civil organizaram uma série de diálogos e consultas nacionais com o objetivo de redefinir o futuro de como consumimos, produzimos e distribuímos alimentos no país".
"Os compromissos e ambições hoje apresentados por Moçambique na Cimeira dos Sistemas Alimentares mostram o caminho até sistemas que sustentam o ambiente e asseguram alimentação saudável, sistemas que aumentam e diversificam as oportunidades de emprego e a inclusão de mulheres e dos jovens" - Myrta Kaulard, Coordenadora Residente das Nações Unidas em Moçambique.
Planos
Na reunião, a FAO anunciou que serão precisos entre US$ 40 e US$ 50 bilhões em investimentos anuais em intervenções para acabar com a fome até 2030.
A agência quer promover diversas iniciativas de baixo custo e alto impacto “que podem ajudar centenas de milhões de pessoas a deixar de passar fome”.
Entre os participantes no movimento em favor da cúpula estiveram 100 milhões de agricultores, 100 mil jovens que sugeriram milhares de ideias para a criação do círculo verde sobre produção alimentar sustentável.
As Nações Unidas destacam que sistemas alimentares são essenciais para apoiar 3 bilhões de pessoas desnutridas em todo o mundo, além de proteger a base de recursos da qual dependem meios de subsistência em escala global.
António Guterres sublinhou a urgência de promover essa transformação como “uma tarefa não somente possível, mas necessária pelo planeta, pelas pessoas e pela prosperidade”.
O chefe da ONU convocou a Cúpula em 2019 para acelerar o progresso global, ressaltando a importância de ter em conta as conexões de setores na produção sustentável de comida.
A organização ressalta que a pandemia aumentou o número de pessoas que viviam na pobreza em até 124 milhões de pessoas no ano passado. Estima-se que cerca de 600 milhões de pessoas ainda viverão nessa situação até 2030.