MAPUTO, Moçambique - Estendendo-se por dois mil e quinhentos quilómetros, o litoral moçambicano de cor branca-turquesa conquista ao país a alcunha d’a Pérola do Índico. Com praticamente o dobro da linha costeira em comprimento, a área terrestre faz fronteira com seis países vizinhos (alguns deles sem litoral), picos montanhosos e imensas reservas naturais transfronteiriças.
No entanto, esta localização única e as inerentes riquezas naturais coexistem com grandes riscos - Moçambique tem numa localização geográfica privilegiada que pode ser também explorada por grupos de crime organizado transnacional.
Os grupos que monopolizam a criminalidade organizada na África Austral exploram fronteiras porosas e a vasta extensão da linha costeira para maximizar os ganhos ilícitos obtidos. Os crimes contra a vida selvagem e a silvicultura continuam a prevalecer, apesar dos recentes desenvolvimentos que têm vindo a reforçar as medidas contra a caça furtiva e o apoio às comunidades que habitam as áreas afetadas.
Verificam-se outras formas de criminalidade, incluindo o tráfico de seres humanos, o tráfico de drogas, armas de fogo e outras mercadorias ilícitas (como produtos farmacêuticos). Ao mesmo tempo, o norte do país tem sido sitiado pela crescente ameaça terrorista.
À medida que a violência aumenta, também se intensificam as violações de direitos individuais das populações. Vários relatórios sugerem que os casos de rapto, abuso sexual e homicídio de civis e crianças inocentes[1]. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC), como organização guardiã da Convenção contra o Crime Organizado Transnacional e mandatada para promover a paz, a justiça e a eficiência das instituições do sistema judicial, defende uma abordagem holística para combater a pletora de desafios de segurança que Moçambique enfrenta atualmente.
Embora diferentes tipos de crime organizado, bem como o terrorismo, tenham características intrinsecamente distintas, cada vez mais frequente são as suas interligações[2] - o crime organizado fomenta o extremismo, enquanto os lucros do comércio ilegal perpetuam instabilidade social e fomentam a erosão o Estado de Direito.
Um conjunto holístico de medidas é urgentemente necessário para que aos grupos criminosos que operam na região fosse negada a oportunidade de explorar as vulnerabilidades existentes, de se apropriarem dos meios de subsistência e de depauperarem as comunidades locais.
A agenda de desenvolvimento social e económico só pode ganhar as necessárias raízes se esses aspetos forem complementados com intervenções conexas de combate ao crime organizado e terrorismo, de modo a criar as condições para uma pacificação social duradora e alinhada com a Objetivo 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes) dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Em 2019, o ONUDC e o Governo de Moçambique acordaram o "Plano de Acão Estratégico de Maputo para o Engajamento do UNODC em Moçambique”. O documento estabelece uma agenda ambiciosa para a cooperação entre o ONUDC e o Governo de Moçambique a vários níveis e contemplando muitas das áreas de intervenção constantes do mandato do ONUDC.
Entre outros, o Plano de Acão fornece um enquadramento específico para o envolvimento da organização no combate ao crime organizado, na contenção do tráfico de drogas, e no combate ao terrorismo. O documento foi também concebido para ajudar a reforçar a observância de normas internacionais de direitos humanos, e para promover os princípios do Estado de Direito.
O trabalho do ONUDC encontrasse alinhado com as estratégias nacionais e suas prioridades de forma a garantir a necessária eficácia de apropriação nacional da assistência técnica providenciada.
O "Plano de Acão Estratégico de Maputo para o Engajamento do UNODC em Moçambique” contribui para a implementação de uma multiplicidade de outros instrumentos legais relevantes, nomeadamente a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030, o Quadro de Assistência ao Desenvolvimento da ONU (UNDAF) para Moçambique, e o Programa Regional conjunto ONUDC-SADC para a África Austral (2013-2023).
Um conjunto de iniciativas concretas foram desenvolvidas pelo ONUDC para apoiar Moçambique na implementação do Plano de Acão. Estas incluem o apoio ao país na resposta do sistema de justiça penal ao crime organizado transnacional, na promoção de abordagens baseadas na saúde para aqueles que usam drogas, no contributo pericial para o desenvolvimento de capacidades para ajudar a prevenir e combater a ameaça terrorista e no reforço da integridade e independência do sistema judicial em Moçambique. Nos últimos meses a ONUDC implementou cerca de 30 ações específicas de capacitação institucional no sentido de apoiar o funcionamento do sistema de justiça penal e contribuir para o aumento dos conhecimentos específicos no quadro do combate ao terrorismo e crime organizado.
As ações de capacitação foram complementadas com a distribuição de equipamento especializado no domínio de recolha e preservação da prova em contexto penal.
O ONUDC está focado em apoiar o país nas áreas operacionais de trabalho que lhe competem de forma a contribuir para diversos objetivos globais, regionais e nacionais e a fomentar o desenvolvimento sustentável do país, e especialmente, em contribuir para a segurança, estabilidade e bem-estar de todos os moçambicanos.
*Marco Teixeira é chefe do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) em Moçambique. Alexandra Fernandes é funcionária do UNODC em Moçambique.
[1] Comunicado de imprensa das Nações Unidas, Mozambique: UN Officials Alarmed at Escalating Violence against Civilians, Including Women and Children, Call to increase Protection and Assistance, acedido a 18/08/2021.
[2] Resoluções 2322 (2016) e 2370 (2017) do Conselho de Segurança das Nações Unidas.