“Onde há vida, há esperança”
Depois do ciclone Idai, Cecília Valentim, uma jovem mãe, e seus sete filhos de criação foram reassentados para o bairro de Mandruzi para iniciar uma vida.
Beira, Maputo - “Uma casa de barro numa área alagada” descreve o lar onde Cecília Chata Valentim, 24 anos, e seus quatro filhos e três sobrinhos órfãos viviam, antes do ciclone Idai que afetou 1,8 milhão de pessoas em Moçambique, em 2019.
“Por causa do ciclone, eu perdi a casa e os documentos. Eu praticava agricultura e era uma boa vendedora, mas eu já não tinha dinheiro e onde viver. Eu pensava como poderia dar seguimento na minha vida para voltar ao normal”, lembra Cecília.
Para recomeçar a vida, ela e as sete crianças se deslocaram para o centro de reassentamento de Mandruzi, uma área designada pelo governo local como terreno de concessão às famílias vulneráveis desalojadas, junto a um plano de desenvolvimento de bairro.
“Naquele momento, o importante pra mim era que o lugar fosse mais seguro e cada um teria seu próprio espaço, sem precisar sair dali depois”, conta Cecília ao lembrar das escolas e abrigos temporários aonde haviam se abrigado.
Hoje, dois anos depois, a família busca construir uma nova vida, com o apoio das organizações. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) está a construir uma casa para a família e promoveu diversas atividades de geração de renda à jovem, por meio do programa pós-ciclones Mecanismo de Recuperação (MRF), em coordenação com o Gabinete de Reconstrução (GREPOC) do governo, com fundos da União Europeia, Canadá, China, Finlândia, Holanda, Índia e Noruega.
Pela primeira vez, Cecília e seus filhos morarão em uma casa de cimento, firme contra os desafios climáticos, e segura na temporada de chuvas. Do quintal da casa antiga, ela tem acompanhado o trabalho de construção da nova residência, desde a sua fundação.
“Vejo os materiais que eles usam e há muita diferença. Também será mais simples de fazer a higiene, enquanto na casa de barro, que não tem janelas, a poeira nunca acaba”.
A construção da casa de Cecília segue padrões de resiliência para que resista nos desastres naturais, ora tão recorrentes em Moçambique. No total, 160 casas estão sendo construídas seguindo a mesma lógica e projecto no bairro de Mandruzi pelo Mecanismo de Recuperação e são destinadas às famílias em situação de vulnerabilidade, a maioria chefiadas por idosos, mães solteiras, e de pessoas com deficiência ou doenças crônicas.
Por meio das ligações reforçadas do telhado e janelas feitas pelos pedreiros e artesãos locais com supervisão de engenheiros e técnicos, a construção ganha a durabilidade necessária enquanto serve de aprendizado para a comunidade construir casas melhor adaptadas.
A participação de outros membros da comunidade nessas construções inclui o arranjo de trabalhos temporários não qualificados, como a coleta de água e o preparo do almoço, para garantir uma fonte de renda extra à comunidade e a coesão entre os vizinhos.
Resiliência frente aos choques climáticos
“Esses ciclones vieram para nos incomodar e nunca se sabe o que pode acontecer, mas a comunidade sabe como se preparar e está construindo casas mais fortes; Aquilo que aconteceu no Idai não pode acontecer duas, três vezes… Foi muito triste”, ela alerta.
A fala de Cecília concorda com os fatos. De 2019 a 2021, quatro ciclones atingiram Moçambique, o que desafiou ainda mais a resiliência das comunidades à crise climática. A cada desastre natural, Moçambique perde vidas, mais infraestrutura é destruída e serviços essenciais ficam interrompidos.
De maneira despropocional, estima-se que, até 2100, os países mais pobres do mundo podem experimentar até 100 dias a mais de clima extremo devido às mudanças climáticas a cada ano – Moçambique é um dos dez países no mundo com o menor índice de desenvolvimento humano (IDH 2020).
Para ajudar na criação de resiliência de comunidades vulneráveis na província de Sofala, mais de 1.100 habitações e 18 infraestruturas, incluindo escolas e mercados, estão sendo construídos e/ou reabilitados pelo Mecanismo de Recuperação, seguindo os padrões de construção resiliente (Building Back Better) para o reestabelecimento dos serviços e a garantia de infraestrutura durável, que poderão servir de abrigo às comunidades em eventuais desastres. Com essa iniciativa, ao menos 15.000 pessoas serão beneficiadas directamente.
Ainda, para ajudar na mitigação do risco de desastres e incentivar a ação junto às comunidades afectadas, diversas vias de acesso (960 km) e valas de drenagem (8,5 km3) foram limpas por meio de trabalhos temporários com transferência de renda (cash-for-work).
Meios de vida para criar resiliência em futuros desastres
Apesar do trauma que viveu com os ciclones, Cecília segue movida pela responsabilidade de cuidar dos filhos e desenha uma rotina de trabalho no qual consegue “poupar dinheiro para que as crianças vivam mais à vontade”.
“Eu sou tanto a mãe quanto o pai para elas. Tenho que trabalhar para que não se sintam mal por acharem que lhes falta algo”, explica Cecília.
A retomada de sua renda acelerou a partir de julho de 2020, quando a jovem mãe começou a participar do ciclo de atividades do Mecanismo de Recuperação com foco no empoderamento económico das mulheres e na recuperação dos meios de vida.
Ela recebeu um kit agrícola de sementes e ferramentas e um kit de criação de patos, participou dos grupos comunitários de poupança e empréstimo e engajou-se na limpeza das valas de drenagem do bairro e na construção do centro de gestão e tratamento de resíduos da comunidade.
A jovem ainda recebeu capacitações sobre a produção de fertilizantes orgânicos (carvão biológico e compostagem), sobre empreendedorismo e alfaiataria. Tais atividades promovidas pelo programa, além de reduzir a pobreza, ajudam a diminuir o risco de desastres e estimulam ações sustentáveis adaptadas à realidade das mulheres, para que tornem-se líderes multiplicadoras dessas iniciativas na comunidade face às mudanças do clima.
A participação de Cecília em atividades de empoderamento económico energizou sua vida; ela usufrui das ferramentas e conhecimentos adquiridos para sustentar a família e ajudar a sua comunidade a se reerguer.
Ela plantou arroz, milho e batata doce em seu jardim, flores e outros vegetais nas plantações da comunidade utilizando o adubo produzido, e seus patos chocaram dois ninhos. Em meio a essa rotina, a jovem pôde finalizar seus estudos da educação básica, na mesma escola que a abrigou durante o Ciclone Idai, mais um marco de seu esforço incansável.
Consciente sobre a importância de sua comunidade, Cecília encerra dizendo: “gostaria de mobilizar e sensibilizar outras pessoas, vizinhos, para que não percam a esperança. Tudo é um processo. Onde há vida, há esperança”.