Mudança climática e resiliência: Centro Comunitário promove energias renováveis na Cidade da Beira
Centro Comunitário Multifuncional de Energias Renováveis do Bairro da Munhava promove a participação da comunidade na criação de resiliência e sustentabilidade.
Beira, Moçambique - “A mudança climática já está aqui em Moçambique. Já sentimos as consequências e os ciclones mostraram isso. Precisamos ter essa visão para criar alternativas”, afirma Leonel Machine, 31 anos, membro da comunidade da Munhava, Cidade da Beira, uma das cidades mais afetadas pelo Ciclone Idai que devastou a região central de Moçambique em março de 2019 e, há pouco, pelo Ciclone Eloise em meados de 2021.
“Devemos nos concentrar na produção de energias renováveis. Não podemos continuar com energias fósseis. É um assunto global”, continua Leonel.
Apaixonado por inovação, Leonel se interessou pela questão das energias renováveis e particularmente pela produção de biogás, por meio dos estudos em Biologia na Universidade Pedagógica da cidade da Beira: “Eu fui o primeiro na minha universidade a se interessar pelo biogás e comecei a experimentar. Na época ninguém tinha muito interesse”, conta Leonel. Após alguns anos de pesquisa na faculdade, com 24 anos, Leonel tornou-se um dos únicos técnicos especialistas em biogás do país, e começou a trabalhar em projectos de produção de biogás na província de Sofala.
Em 2016, ele foi contratado como técnico pelo Município da Beira para gerir a produção do Centro Comunitário Multifuncional de Energias Renováveis do Bairro da Munhava, o primeiro do tipo em Moçambique, e onde trabalha desde então.
A comunidade da Munhava enfrenta grandes desafios ambientais e económicos, de saúde e de segurança social, assim como a baixa cobertura de serviços urbanos e poucas oportunidades de trabalho para jovens e mulheres. Por essas razões, o Município da Beira, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) e o fundo BASF Stiftung identificaram a necessidade de soluções para melhoria da vida dos residentes nos assentamentos informais e, particularmente, na Munhava.
Por meio dessa parceria, o Centro Comunitário Multifuncional de Energias Renováveis foi construído como exemplo único de como infraestruturas e espaços públicos em todo o país podem ser resilientes ao mesmo tempo que abraçam a sustentabilidade. Além disso, a produção local de energias renováveis veio como uma das soluções acessíveis e sustentáveis para a comunidade gerar energia e renda, assim como, servir como espaço de convivência para os moradores com áreas colectivas para a realização de eventos, tais como casamentos, seminários e reuniões, assim como servir de abrigo em tempos de emergência.
Ciclone Idai e reabilitação do Centro
O Centro caminhara bem e vinha a se tornar um local de referência na produção de biogás, não fosse a passagem do ciclone Idai – um desastre sem precedentes na história do país que afectou 1,8 milhão de pessoas (PDNA 2019[1]). Uma parte importante do Centro foi destruída naquele dia e as áreas colectivas nunca mais puderam ser utilizadas.
“Quando cheguei ao Centro após o ciclone, perdi toda a força. Pensei ‘como vamos continuar o nosso serviço?’. Foi um desastre”, comenta Leonel.
O próprio Leonel perdeu completamente a casa onde habitava com a esposa grávida de 7 meses, o filho e a irmã: “Foi terrível. O teto voou e levou junto as pedras das paredes da casa. Todos ficamos com muito medo, vimos pessoas desaparecerem abaixo dos escombros. Sinceramente, estávamos à espera da morte... No dia seguinte vimos que a destruição foi total. Foi difícil”.
Leonel e sua equipa continuaram a produção como e onde podiam, sempre procurando uma solução sustentável para os problemas locais, mas sozinhos também não puderam reconstruir o espaço propriamente.
Foi por meio do trabalho de reabilitação e técnicas de construção resiliente, realizadas pelo Município da Beira com apoio do ONU-Habitat, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Gabinete de Reconstrução Pós-Ciclones (GREPOC), que a comunidade tem retomado suas actividades regulares desde o ano passado. A reabilitação resiliente permitiu que as actividades não fossem interrompidas após a tempestade tropical Chalane no final de 2020 e, há pouco, após o ciclone Eloíse em janeiro de 2021, uma vez que a cobertura não sofreu danos.
Logo após o ciclone Idai, o ONU-Habitat e o PNUD prestaram apoio técnico ao Município para a elaboração do Plano Municipal de Recuperação e Resiliência. Adicionalmente, foram elaborados os modelos de casas e infraestruturas resilientes a nível nacional e testados localmente em construções na Beira e reabilitada a plataforma de recolha de resíduos e vias de acesso da Lixeira Municipal.
Por meio desses trabalhos emergenciais do Governo de Moçambique e de Entidades da ONU, parte importante dos destroços dos ciclone Idai foram recolhidos e, ao final, processados no Centro Comunitário para produção de carvão biológico, unindo rápida recuperação no âmbito da assistência humanitária com a criação de uma cadeia de valor baseada em energias sustentáveis e reconstrução resiliente da Cidade da Beira como um todo.
Ao adentrar no Centro, é notável que a atividade de referência é, até hoje, mesmo depois dos ciclones, a transformação de resíduos orgânicos em biogás. Para a produção, Leonel e sua equipa usam matéria orgânica dos mercados e matadouros da cidade que costumavam ser descartadas diretamente nas valas de drenagem. A ideia rendeu. Além de permitir a produção de energia sustentável, esse processo também ajuda a reduzir a poluição, a melhorar a gestão do lixo e dos resíduos sólidos, que são um importante desafio para a Cidade da Beira.
O biogás depois de produzido é utilizado nos fogões da cozinha comunitária para o preparo e venda de alimentos e para aulas de culinária. Estudantes de universidades da Beira também já passaram pelo Centro Comunitário para aulas práticas sobre energias renováveis; mulheres em situação de vulnerabilidade da comunidade foram ainda capacitadas na produção de carvão biológico para ajudá-las a criar uma nova fonte de renda e como uma opção mais ecológica e acessível.
O Centro e a COVID-19
Leonel acredita firmemente que a produção desses tipos de energias renováveis são o futuro do país.
“O biogás e o carvão biológico poderiam resolver vários problemas económicos e ecológicos em Moçambique. Não podemos desperdiçar esse recurso”, diz Leonel.
No âmbito da pandemia da COVID-19, ele conseguiu solucionar mais uma questão: a falta de disponibilidade e acesso a productos de higiene e limpeza para as populações mais vulneráveis. Utilizando os resíduos de frutas descartadas nos mercados, como cascas de laranja e banana, disponíveis em grande quantidade, o Centro começou a produzir álcool e lixivia, para distribuir gratuitamente.
Hoje, a produção do Centro ainda não tem fins lucrativos, sendo tudo o que é produzido doado. Mas aí há um grande potencial. “Nós queremos um investimento para garantir 100% de sustentabilidade para o Centro. O meu sonho é criar uma linha de produção automatizada de biogás e uma de carvão que seja rentável. Queremos transformar lixo em dinheiro, pois é um material precioso. Todo o processo de produção permitiria empregar muitas pessoas e ajudar a comunidade de forma ecológica e sustentável”.
Muito ainda pode e deve ser feito. Com o Centro reabilitado, mais um passo foi dado para que a ação local liderada por Leonel e a ação institucional do Município da Beira com o apoio do Governo e das Nações Unidas possam crescer e tornar acessível mais espaços públicos e ser ampliadas para a construção de mais infraestruturas públicas resilientes em outras partes do país.
“Eu acho que todo indivíduo tem um propósito, tem que ajudar a resolver um problema, e eu acredito que o meu seja ajudar a resolver a crise energética nas zonas rurais e urbanas de Moçambique”, afirma Leonoel.
As Nações Unidas trabalham no país para apoiar diversos “Leoneis”. Construções mais resilientes, atividades de geração de renda, e parcerias para o fortalecimento do governo, instituições acadêmicas e organizações da sociedade civil são alguns dos exemplos que viabilizam a continuidade e a criação de uma cadeia de valor sustentável – somente possíveis por meio do envolvimento direto das comunidades locais.
Leonel também representa os desejos da população por acesso à energia e sua maior bandeira é comum: uma energia limpa e acessível – premissa do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 7 (#ODS7), “garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e renovável para todos”. A ação local pelo clima é urgente e as Nações Unidas em Moçambique está com Moçambique para continuar a torná-la realidade em todo o país.
[1] Mozambique Cyclone Idai Post-Disaster Needs Assessment, Maio de 2019