"O ciclone Eloíse é uma chamada de atenção para o quanto Moçambique está exposto aos efeitos da mudança climática”
26 janeiro 2021
Eloíse, que atravessou a região central da Beira, no fim de semana, causou pelo menos sete mortes e afetou cerca de 250 mil pessoas.
Maputo, Moçambique - Cerca de 18 mil pessoas foram desalojadas em Moçambique pela tempestade tropical Eloíse e inundações que se seguiram, num total de 250 mil pessoas afetadas, anunciou hoje a Coordenadora Residente das Nações Unidas e Coordenadora Humanitária para Moçambique, Myrta Kaulard.
O número de afetados subiu desde segunda-feira, quando se contavam 170 mil pessoas afetadas, disse Myrta Kaulard, que falava a partir de Maputo numa conferência de imprensa virtual para a sede das Nações Unidas, em Nova Iorque.
Danos e necessidades imediatas
A Coordenadora disse que Moçambique e parceiros estão tentando responder, ao mesmo tempo, a três desafios: a crise humanitária causada pela violência em Cabo Delgado, o aumento da resiliência à mudança climática e o desenvolvimento sustentável, dificultado pela pandemia de Covid-19.
"O ciclone Eloise é uma chamada de atenção para o quanto Moçambique está exposto aos efeitos da mudança climática”, afirma Kaulard.
A responsável mencionou que 76 centros de saúde e 400 salas de aulas sofreram estragos consideráveis com a passagem do ciclone Eloise pelo território moçambicano no sábado.
A reconstrução de escolas e centros de saúde é uma das prioridades na recuperação de Moçambique, onde, apesar do trabalho e mobilização do Governo nacional e da comunidade internacional, os recursos continuam a ser “insuficientes”, declarou Myrta Kaulard.
As necessidades mais urgentes que a ONU destaca são a disponibilização de tendas, cobertores, comida, água potável, artigos de higiene, equipamentos e máscaras de proteção contra a covid-19 e saneamento.
A responsável da ONU elogiou o “bom comportamento” da população moçambicana a respeitar alertas, obedecer a ordens de evacuação e a provar “incrível demonstração de generosidade” para com os desalojados, sendo que famílias com o mínimo de condições acolhem pessoas em mais necessidade.
Da mesma forma, Myrta Kaulard elogiou também o trabalho das instituições moçambicanas, principalmente do Governo e Proteção Civil, com a presença de pessoal destacado nas áreas afetadas e a comunicação com a comunidade local.
"É de partir o coração falar com aqueles que já estavam quase se reerguendo com suas colheitas, na reconstrução de suas casas, e perderam tudo de novo”, acrescentou Myrta Kaulard.
Segundo a coordenadora da ONU, os maiores afetados “são pessoas muito pobres, que ficaram mais pobres por causa do ciclone Idai, e agora tiveram mais este obstáculo, que é piorado pela pandemia de Covid-19”.
Apoio da Comunidade Internacional
Segundo Myrta Kaulard, as Nações Unidas e comunidade internacional estão em constante contacto com as autoridades locais, para a coordenação de ajuda, avaliação de estragos e necessidades e fornecimento de assistência.
Dados do Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastre (INGD) estimam que há mais de de 137.000 hectares de áreas agrícolas inundadas, agravando o risco de fome.
“Podemos ver inundações de grande dimensão e muitas pessoas que ainda tentam sair das áreas inundadas”, disse a Coordenadora Residente da ONU em Moçambique.
Nas palavras de Myrta Kaulard, a Eloise foi mais um alarme de que a época ciclónica em Moçambique é “demasiado frequente” para se poder progredir na recuperação, depois do ciclone Idai que atingiu a mesma região há dois anos e causou pelo menos 600 mortes no país.
Segundo a ONU, Moçambique contabiliza 34 mil pessoas infetadas pelo novo coronavírus, o que torna os abrigos disponíveis muito escassos e numa situação “quase impossível” para acolher pessoas desalojadas.
Dados atualizados hoje pela ONU indicam que a tempestade tropical Eloise provocou pelo menos 15 mortos: seis no centro de Moçambique, três no Zimbabué, três em Esuatini (antiga Suazilândia), duas na África do Sul e mais uma em Madagáscar.
Apoio das Nações Unidas à resposta liderada pelo Governo
Várias agências das Nações Unidas incluindo o UNICEF, PMA, OIM, UNFPA, PNUD, ONU-Habitat e ACNUR estão apoaindo a resposta liderada pelo Governo de Moçambique e a avaliação da extensão dos danos causados.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância, por exemplo, está no bairro da Praia Nova, na cidade da Beira, um dos mais afetados.
Já o Programa Mundial de Alimentos, PMA, está apoiando a linha de emergência do centro de operações nacionais, assim como mobilizando-se para continuar a prover assistência alimetar e nutriconal aqueles que mais necessitam.
Quase 3 milhões de pessoas no sul, centro e norte de Moçambique já enfrentavam altos níveis de insegurança alimentar antes do ciclone.O PMA tem cerca de 640 toneladas métricas de alimentos disponíveis no seu armazém na Beira, como parte da sua resposta em curso à época de escassez. Esses recursos podem ser usados para fornecer assistência urgente, mas “mais recursos serão necessários com urgência para montar uma resposta adequada em tempo útil”, ressaltou o porta-voz do PMA.
A Linha Verde recebeu 312 chamadas desde o início do desastre natural. Duas mensagens escritas de prevenção foram enviadas a quase 14 mil números nas províncias afetadas.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento está no terreno com o governo e outros parceiros avaliando os danos em áreas urbanas. Segundo a agência, “eventos climáticos extremos estão aumentando em Moçambique” e “soluções sustentáveis inclusivas são as mais necessárias para adaptação ao clima”.
Segundo a Organização Internacional para as Migrações, mais da metade dos 71 centros de reassentamento que abrigam pessoas deslocadas pelo Ciclone Idai estão em áreas que foram agora afetadas pelo ciclone Eloíse.
A equipe da OIM está distribuindo sabão, um suprimento limitado de máscaras para os mais vulneráveis e informando sobre a necessidade de manter o distanciamento físico, mas o porta-voz disse que esse trabalho “é muito difícil nas atuais circunstâncias".
Também há sérias preocupações para os pacientes com doenças crônicas que perderam seus medicamentos. A agência da ONU está monitorando a situação para encaminhar esses casos às unidades de saúde, muitas das quais foram danificadas.
Graças à sua rede de ONGs locais, o Cluster de Proteção da Equipa Humanitária, liderado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) manteve uma presença contínua nos vários centros que acolheram os evacuados e deslocados, fornecendo atividades como apoio psicossocial para aqueles já traumatizados pelo muito maior Ciclone Idai há anos e deslocados mais uma vez, bem como garantir que ninguém seja deixado para trás.
Hugo Reichenberger, Coordenador de Protecção na Beira, juntou-se ainda ontem a um voo de observação sobre o Buzi - um dos distritos mais afectados pelo Ciclone Eloise.
“Ao sobrevoar a cidade do Buzi é difícil imaginar que se esteja a sobrevoar uma antiga cidade, porque parece que está a sobrevoar um oceano”, descreve Hugo.
O ONU-Habitat, Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, está prestando apoio técnico aos parceiros humanitários para a reabilitação resiliente de infraestruturas públicas danificadas na Cidade da Beira e na Província de Sofala, o mais rápido possível.
O UNFPA, a agência de saúde sexual e reprodutiva das Nações Unidas que se encontra no terreno, juntou-se nos esforços liderados pelo Governo de Moçambique para avaliar o real alcance dos danos causados pelo Ciclone e para apoiar uma resposta rápida e coordenada que responde às necessidades das populações afectadas e mais vulneráveis, incluindo mulheres, raparigas e jovens.
A agência também pré-posicionou kits de dignidade, com artigos para as mulheres e raparigas vulneráveis afectadas pelos desastres. Tais artigos incluem sabão, calcinhas, máscaras, pensos higiênicos descartáveis, e mais, para ajudar na sua saúde pessoal e higiene feminina.
Os kits representam uma forma pequena, mas poderosa, de assistência a mulheres e raparigas vulneráveis, para ajudá-las a recuperar um senso de dignidade e autoestima e evitar começar do zero.