Discurso de Sua Excelência o Presidente de Moçambique no Debate Geral da 80ª Sessão da Assembleia Geral da ONU
Discurso de Sua Excelência o Presidente de Moçambique, Daniel Chapo, no Debate Geral da 80ª Sessão da Assembleia Geral da ONU.
NOVA IORQUE, EUA
- Sua Excelência Senhora Presidente da Octagésima Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas;
- Sua Excelência Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas;
- Suas Excelências Chefes de Estado e de Governos;
- Ilustres Chefes de Delegações;
- Minhas Senhoras e Meus Senhores!
Constitui para nós, uma honra profunda dirigirmo-nos, pela primeira vez, como Presidente da República de Moçambique, a esta Augusta Assembleia, num momento de significados múltiplos, tanto para Moçambique como para a própria Organização: celebramos 50 anos da nossa independência nacional, 50 anos da nossa admissão como Membro de pleno direito das Nações Unidas e os 80 anos desta Organização.
Assim, gostaríamos de saudar e felicitar a Senhora Presidente, Sua Excelência Annalena Baerbock, pela Presidência da Octagésima Sessão, bem como enaltecer o trabalho da Presidência cessante, Sua Excelência Philémon Yang.
Não poderíamos deixar de render homenagem ao Secretário-Geral das Nações Unidas, o Engenheiro António Guterres, pela sua incansável advocacia em defesa do multilateralismo, pela atenção dedicada às prioridades de África e pela visão de lançar a Iniciativa UN80.
Hoje, volvidos 80 anos desde a sua criação, testemunhamos com satisfação, os progressos que a Organização das Nações Unidas ajudou a alcançar. A independência de Moçambique, assim como a de muitos países africanos e de outros continentes, é apenas uma de muitas evidências desse legado
Apesar dos múltiplos desafios que a ONU enfrenta, ela mantém-se firme na liderança dos processos globais, por isso sublinhamos: qualquer esforço de reforma que vise torná-la mais ajustada e com maior capacidade para dar resposta às realidades contemporâneas só será completo quando incluir, de forma inequívoca, a reforma do Conselho de Segurança.
Excelências,
O ano de 2025 tem posto à prova os limites do multilateralismo, com as Nações Unidas no seu epicentro.
Assistimos à intensificação e escalada de conflitos e a um crescente sentimento de impunidade. Os conflitos em curso em vários cantos do mundo e crises prolongadas que nos recordam que a promessa de ‘salvar as gerações vindouras do flagelo da guerra’, inscrita na Carta de 1945, continua por cumprir.
Oitenta anos de construção de instituições multilaterais, de salvaguardas e princípios que têm regido os assuntos globais, estão agora em risco.
O resultado é evidente: as guerras multiplicam-se, a crise climática agrava-se, as dívidas aumentam, as tarifas crescem, a desilusão alastra-se e, acima de tudo, regressa o espectro nuclear.
A estas ameaças, somam-se as consequências económicas de crises sucessivas: da pandemia da COVID-19 à guerra na Europa, no Médio Oriente e, África, do aumento dos preços das matérias-primas à volatilidade financeira. Tudo isto gera dívidas insustentáveis e desigualdades cada vez mais profundas.
Assistimos, também, a um preocupante retrocesso nos compromissos internacionalmente acordados. Faltando apenas cinco anos para 2030, a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável encontra-se em risco.
E a crise climática acelera e intensifica todas as outras: secas transformam-se em fome, ciclones em catástrofes humanitárias, deslocações em desespero e este, explorado por actores sem escrúpulos.
Foi neste contexto que o parecer histórico do Tribunal Internacional de Justiça, de 23 de Julho de 2025, reafirmou, de forma inequívoca, que os Estados têm obrigações jurídicas vinculativas de proteger o clima e o ambiente contra as emissões de gases de efeito estufa. Trata-se de um marco de alcance universal.
Para países como Moçambique, que não têm responsabilidades históricas pela crise climática, mas estão entre os mais atingidos pelas suas consequências, esta decisão é mais do que um princípio legal: é um apelo à justiça climática, à solidariedade global e à acção imediata.
À crise ambiental soma-se o desafio tecnológico.
A Inteligência Artificial e outras tecnologias emergentes oferecem oportunidades extraordinárias, mas também riscos sérios de exclusão, manipulação e, até, de militarização, através de armas autónomas.
Estes avanços colocam novos desafios à defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho.
Enquanto não compreendermos plenamente o funcionamento destes modelos, não podemos confiar-lhes missões críticas, sem salvaguardas robustas.
Por isso, Moçambique defende uma diplomacia tecnológica e climática, capaz de regular riscos e democratizar benefícios, através de uma verdadeira transferência e partilha de conhecimento e tecnologias, para que a ciência e a tecnologia não sejam factores de exclusão mas sim instrumentos de justiça climática e de desenvolvimento inclusivo.
Perante estes desafios interconectados, o nosso continente, África, pode e deve assumir um papel activo na definição de normas e padrões internacionais, na formulação de princípios de ética científica e na determinação das prioridades de investigação, garantindo que a inovação tecnológica esteja sempre ao serviço da humanidade.
Senhora Presidente,
Perante estas crises, o caminho não é o isolamento. É o diálogo construtivo e o reforço do multilateralismo.
O Pacto do Futuro, adoptado em 2024, oferece respostas concretas e inovadoras para o relançamento de um multilateralismo, ajustado aos desafios do século XXI.
Moçambique, país africano, detentor de vastos recursos naturais e de uma riqueza cultural inigualável, tem se destacado na promoção e fortalecimento da democracia no continente.
Desde que avançamos com o pluralismo político, trabalhamos, incessantemente, para consolidar as bases de um sistema democrático robusto, com a realização de eleições regulares e transparentes, reflectindo a vontade popular e assegurando que, cada cidadão tenha voz e participação nas decisões que moldam o futuro de nossa nação. Aliás, a nossa presença neste podium é o resultado de um processo de escolha livre e transparente do povo moçambicano.
Temos, historicamente, um compromisso contínuo com o diálogo e a construção de pontes entre diferentes actores políticos e sociais. Este compromisso com o diálogo foi crucial para a paz duradoura, alcançada após décadas de conflito e para a estabilidade política que temos hoje.
Actualmente, Moçambique destaca-se pelo esforço contínuo em promover um Diálogo Nacional Inclusivo, cuja fase de auscultação pública lançámos no passado dia 10 de Setembro. Trabalhamos para que todos os sectores da sociedade, independentemente de sua origem ou posição política, social ou económica sejam ouvidos e tenham suas preocupações consideradas nas grandes decisões nacionais. Este processo não só fortalecerá a democracia, mas também vai assegurar que o desenvolvimento do país seja realmente um reflexo das necessidades e aspirações de todos os moçambicanos, sem excepção.
Acreditamos que a verdadeira força de uma nação não está apenas na sua capacidade de resolver conflitos, mas na sua habilidade de promovê-los de forma pacífica e construtiva. Estamos orgulhosos do caminho percorrido até aqui e reafirmamos o nosso compromisso de continuar avançando como um exemplo de democracia e convivência pacífica no continente africano e no mundo.
Orgulhamo-nos, igualmente, de ter promovido, durante o nosso mandato no Conselho de Segurança, a Declaração Presidencial sobre o papel da África nos assuntos globais, bem como de ter contribuído para a histórica Resolução 2719 (2023), que abriu caminho para a possibilidade de financiamento previsível e sustentável das operações de apoio à paz da União Africana, através do erário das Nações Unidas. Estes marcos confirmam que África não é apenas beneficiária da ordem multilateral, mas actor indispensável na sua reforma e revitalização.
É nesta senda que Moçambique continuará a defender:
Uma voz africana reforçada, com dois assentos permanentes no Conselho de Segurança e maior peso nas decisões das instituições financeiras internacionais;
Uma Nova Arquitectura Financeira Global, capaz de aliviar dívidas, mobilizar recursos para o desenvolvimento sustentável e a acção climática, bem como de corrigir assimetrias históricas;
Um multilateralismo inclusivo, que preserve o carácter intergovernamental da ONU, sem permitir que esta se converta numa assembleia de accionistas dominada pelos mais ricos.
Reiteramos igualmente a nossa defesa da solução de dois Estados para a Palestina, vivendo lado a lado, em paz e segurança com Israel, como o único caminho justo, legítimo e duradouro para a concretização das aspirações de ambos os povos. Congratulamo-nos com os países que, recentemente, decidiram reconhecer o Estado da Palestina, o mesmo direito reconhecido a Israel, contribuindo assim, para reforçar a legitimidade e a irreversibilidade da solução de dois Estados.
Do mesmo modo, reafirmamos a nossa firme oposição às medidas coercivas unilaterais, que continuam a punir povos inteiros, de Cuba à Venezuela, do Zimbabwe a outros países, em clara violação da Carta das Nações Unidas e em contradição com os princípios da justiça, de solidariedade e do direito internacional.
Minhas Senhoras e Meus Senhores!
O tema escolhido para esta Octagésima Sessão – “Melhor Juntos: 80 anos e mais pela paz, desenvolvimento e direitos humanos” – não poderia ser mais oportuno.
Está intrinsecamente ligado aos eventos desta Semana de Alto Nível: a celebração da Conferência de Beijing sobre Mulheres, a Cimeira do Clima, a Primeira Cimeira Bienal para uma Economia Global Sustentável, Inclusiva e Resiliente mandatada pelo Pacto do Futuro, a Celebração da Juventude, a Eliminação de Armas Nucleares e a reunião sobre saúde global e bem-estar.
Todos estes encontros reafirmam a vitalidade e a centralidade das Nações Unidas e transmitem uma mesma verdade: o que nos une como humanidade é muito maior do que aquilo que nos divide. Somos povos distintos, mas partilhamos a mesma Terra; professamos credos diferentes, mas todos aspiramos a mesma dignidade; falamos diversas línguas, mas partilhamos um só destino.
Hoje, o credo de que necessitamos não é de exclusão, mas de inclusão; não é de isolamento, mas de cooperação; não é de unilateralismo, mas de um multilateralismo solidário. Precisamos de uma fé renovada na capacidade colectiva da humanidade de enfrentar os desafios comuns de Gaia – a nossa casa comum.
O mundo encontra-se num verdadeiro ponto de inflexão. Ou concretizamos a Agenda 2030, ou aceitaremos vê-la relegada a uma promessa falhada. E nisto, não basta boa vontade.
Honrar o princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada é sacrossanto. Precisamos de recursos à escala necessária, de trabalhar de forma mais inteligente, de alinhar mandatos com prioridades nacionais, de investir em dados, tecnologia e capacidades institucionais e, sobretudo, de assegurar que a África tenha assento pleno nas decisões que moldam o seu futuro.
A mensagem de Moçambique é clara: queremos parcerias baseadas no respeito mútuo e no valor partilhado.
Parafraseando o malogrado Presidente Samora Machel: “A solidariedade internacional não é um acto de caridade; é um acto de unidade entre aliados.”
O octogésimo aniversário das Nações Unidas convida-nos a renovar esse espírito de solidariedade. Os desafios diante de nós são enormes, mas somos, de facto, melhores juntos.
E se é verdade que cada geração herda o mundo da anterior, também é verdade que cada geração tem o dever de legar um mundo melhor à seguinte. Este é o fio condutor da Agenda 2030, é o espírito do Pacto do Futuro e é a razão de ser desta Organização: transformar esperança em acção, e solidariedade em resultados concretos.
Que tenhamos a coragem de reformar, a sabedoria de aprender com os erros e a determinação de oferecer paz, desenvolvimento e direitos humanos a todos.
Moçambique conta com a ONU e a ONU pode contar com Moçambique!
Muito obrigado!